São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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Retrospectiva ressuscita obra de Bandeira

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Antônio Bandeira (1922-1967) era um pintor tagarela e boêmio, mas recomendava uma austeridade de monge a quem se colocasse à frente de suas pinturas: ``Não chore nem ria, fique apenas calado".
Foi mirando esse tipo de ambiguidade que Vera Novis, 46, montou a maior mostra do pintor desde 1969, quando o Museu de Arte Moderna do Rio expôs 300 obras.
A retrospectiva que abre no Masp na próxima terça-feira, com 85 trabalhos criados entre 1942 e 1967, é preciosa pelo resgate, essa palavra hedionda que ronda a arte brasileira como urubu.
``Bandeira é um dos cinco maiores pintores brasileiros deste século, foi um dos pioneiros da arte abstrata, e a prova de foi esquecido é que não há um livro sobre ele", diz Vera Novis.
Confere. Qualquer barnabé que pinta em fins-de-semana pode encomendar um livro sobre seu trabalho, mas o álbum que havia sobre Bandeira, com um poema de Carlos Drummond de Andrade dedicado ao artista e textos do crítico Jayme Mauricio e do poeta Ivan Junqueira, saiu em 1974, esgotou e nunca mais foi reeditado.
Mais um enigma? Os originais de ``Flamboyant", autobiografia de Bandeira da qual se conhece o primeiro capítulo, sumiram.

A fama
A ambiguidade de Bandeira pode começar pelo esquecimento. Em vida, experimentou uma fama rara e meteórica entre pintores.
Nascido em Fortaleza, filho de um ferreiro, desembarcou no Rio em 1945 e logo na primeira exposição ganhou uma bolsa para estudar na França.
Chegou a Paris no ano seguinte e ali era quase uma atração turística entre existencialistas e curiosos que frequentavam o bairro Saint Germain des Près pelo tipo físico: pele negra, alto e cavanhaque, parecia um marajá.
Em 1947 Bandeira mostraria que de folclórico não tinha nada. Conhece o pintor alemão Wols (1913-1951), o francês Camille Bryen (1907-1977) e forma com eles o grupo Banbryol -uma miscelânea com o sobrenome dos três.
Com 25 anos participa de uma das reviravoltas da história da arte -foi um dos criadores da arte informal ou abstracionismo lírico.
Os rótulos querem dizer mais ou menos o seguinte: pintura sem figuras, feita de pinceladas aparentemente sem planejamento.
Era uma espécie de resposta aos rigores matemáticos do abstracionismo geométrico de Mondrian, considerado pelos artistas informais como excessivamente frio.
A importância de Bandeira começa aí, segundo Novis. Enquanto os artistas brasileiros pegavam os bondes dos movimentos artísticos já andando, Bandeira participou de um deles no seu nascimento.
Mas não é só por isso que Bandeira é um dos cinco maiores pintores deste século, diz Novis: ``Ele é importante porque sua obra faz a discussão abstratos versus figurativos perder o sentido".
``O descaso com Bandeira revela a insegurança nacional diante dos nossos pintores. Preferimos cultuar Wols, mas o Bandeira é mais importante", diz o crítico Carlos Alberto Maciel Levy, 44, que pesquisa a vida do pintor desde 1984 para escrever um livro.
Em vida, a pintura de Bandeira foi reconhecida. Participou das bienais de São Paulo e de Veneza, de mostras em Londres e Nova York. O problema veio depois.

O limbo
Bandeira começou a ser esquecido ao morrer aos 45 anos de choque anafilático durante uma operação de amígdalas em Paris.
Sempre viveu sozinho. Com sua morte, a família deu fim ao espólio vendendo lotes em leilões.
``Ele foi esquecido porque era de uma família pobre e inculta do Ceará", diz o crítico Jayme Mauricio, 68, amigo do pintor.
O fato de o abstracionismo lírico ter se transformado em moda nos anos 60 também ajudou a jogá-lo no limbo, segundo Levy: ``Colocaram o Bandeira no saco de gatos dos abstratos. Quando a moda passou ele foi junto".
O acaso também colaborou. Dois jornalistas que preparavam livros sobre Bandeira (Cássio Barsante e Francisco Vilela Neto) morreram antes de acabar a obra.
Bandeira pós-morte virou um culto entre colecionadores -é talvez o caso mais gritante de prestígio privado e descaso público.
Agora, parece que o vento mudou. Novis lança um livro sobre o pintor no final do ano e Levy acha que o seu sai no ano que vem.

Retrospectiva: Antônio Bandeira
Onde: Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 011/251-5644, região central)
Quando: de 23 de maio a 25 de junho; de terça a domingo, das 12h às 18h

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