São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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"Antes de pular do prédio, dei uns passos de dança"

IVAN FINOTTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Durante as gravações da trilha para "Sinhá Demência e Outras Histórias", Arnaldo Baptista tentou explicar o que leva uma pessoa a pular de um prédio e transformar essa sensação em música.
Muitas vezes confuso, mas sempre bem-humorado, Arnaldo se esforça para expor em detalhes suas idéias. Quando acredita ter exprimido seus pensamentos ``corretamente", ele se alegra: ``Que bom que eu consegui falar sobre isso. Às vezes, não consigo". Abaixo, a entrevista.

Folha - Por que você se interessou em fazer a música deste filme?
Arnaldo Baptista - Há etapas da minha vida que eu agarrei, como corridas de motocicletas e automóveis. Outras, como voar de asa-delta, não agarrei. Mas este filme me interessou por ter um lado profundo que eu poderia colorir com música.
Folha - Como você viu a cena em que o personagem se joga do prédio, como você fez há 13 anos?
Arnaldo - Aquela parte em que a pessoa se aventura em cima do edifício e despenca lembrou em parte meu acidente. A motivação, o resultado, o terror circense, estilo Pantera Cor-de-rosa. Então levei adiante o lado Gershwin da música.
Folha - Foi difícil voltar a essa lembrança?
Arnaldo - Estava tentando uma coisa que eu não tinha certeza que ia conseguir, ou seja, sobreviver. E isso eu consegui e estou conseguindo aos poucos. Toda a minha corte, que é como chamam meus seguidores, só deveria usar amplificadores de áudio valvulados.
Ninguém da minha corte tem isso. Nem o alto-falante que eu falo, que é o único que atinge o total do ouvido humano, 16 Hz, que se chama Snake MS 235. Ninguém tem. Nem a suspensão aeroacústica, que é a razão pela qual eu não toco, que é o som total, abrangendo sem ressoar. Então estou numa fase de amadurecimento em todos os sentidos. Não só na música, mas na vida que eu levo. Parei de comer carne, estou conseguindo instrumentos com os quais eu nunca sonhei em entrar em contato.
Folha - Quando você se jogou do prédio, você escutou alguma música?
Arnaldo - Não, não havia nenhuma melodia na minha cabeça, só uma questão de estar apostando entre a vida e a morte em função das minhas crenças. Eu já estava na quinta internação. E meu conhecimento tecnológico era deixado de lado em função da loucura. Então tentei me ver livre daquilo no sentido de falecer ou sobreviver livre. E aconteceu isso: sobrevivi livre. Antes me jogar, dei alguns passos de dança.
Folha - Você ainda ouve Mutantes hoje?
Arnaldo - Eu fico emocionado. Mutantes na minha vida abrange um total de 30% do meu interesse. Tento coordenar o lado de Mutantes com a parte atual. Mas varia. Uma vez fiquei construindo um aparelho chamado giroscópio para ver se ele anula a gravidade. Durante um ano, fiquei só dedicado à física, lendo livros de matemática e sobre gravidade, em inglês.
Folha - Você está construindo um aparelho para anular a gravidade?
Arnaldo - Não, eu já fiz a experiência, mas foi uma tentativa vã. Problemas de giroscópios que não funcionaram.
Folha - Hoje você se dedica a pintar quadros e camisetas...
Arnaldo - Há uma ligação direta entre o meu trabalho de artes plásticas e o musical. Então vou tentando fazer isso de um jeito que abranja o total. Ainda existe meu lado de escritor. Já escrevi ``Elástico" e ``Rebelde Entre os Rebeldes", que trata dos rebeldes que preferem guitarras Fender às Gianinni e de mim, que sou rebelde entre eles por preferir Gibson.
Folha - Você se acha louco?
Arnaldo - É muito difícil explicar o que a palavra louco vem a ser. Pode ser tido como diferente, como anomalia, como superior. Mas atualmente vende-se nos Estados Unidos um amplificador chamado Audio Research, ``pesquisa de áudio" em inglês. Ele é só valvulado e custa US$ 10 mil. Eu vi esse amplificador, é maravilhoso. Sempre que uma válvula dele está ruim, acende uma luzinha embaixo e você troca. Então tem todas essas coisas que eu vou levando adiante com todo o espírito de que sou capaz.
Folha - Você se considera feliz?
Arnaldo - Eu tenho a impressão que sim, no sentido de experiência. Acho quase impossível descrever um orgasmo a um padre, uma viagem de LSD a um careta. Então eu vou tentando ser feliz no sentido de quanto eu consigo comunicar. Em função também de quem está a minha volta no sentido musical e artístico. Isso também envolve um outro item, que é a criogenização. Ser eterno e ateu. A pessoa faz a criogenização e acorda daqui a mil anos. E eu juro por Deus que sou ateu.
Folha - Você voltaria a tocar com os Mutantes?
Arnaldo - Existe um lado onde tudo seria possível. Se, por exemplo, a Rita Lee, meu irmão, o Liminha e o Dinho entrarem nos moldes que eu gosto e eu for o líder, tenho a impressão que a gente poderia levar adiante alguma coisa. Instrumentos só Gibson, amplificadores só valvulados.
(IF)

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