São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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A cultura sai da cafua

JOSÉ SARNEY

Minha causa parlamentar foi a cultura. Há 20 anos procuro conscientizar o Parlamento sobre o seu poder transformador na sociedade democrática. Não existe potência econômica, política ou militar sem existir uma potência cultural. Nesse sentido, apresentei vários projetos sobre incentivos culturais, volta de cérebros, isto é, a inteligência brasileira que emigrou para outros países, fundos de incentivo à pesquisa, a necessidade de um projeto comum de cultura para a América Latina, enfim, tudo sobre esse setor que deve ser prioritário na pauta de nossos países.
Dessa luta, resultou a chamada Lei Sarney, projeto que havia 22 anos apresentava e reapresentava no Congresso, transformado em lei graças à minha ascensão à Presidência da República. Infelizmente, as vicissitudes da política fizeram, num gesto menor, que o presidente Collor mandasse revogar essa lei.
Durante sua vigência foram empregados, em três anos, cerca de US$ 120 milhões. Quantia irrisória face à magnitude e aos resultados alcançados. Para se ter um exemplo do que isso significa, basta dizer que só para a Zona Franca de Manaus são concedidos incentivos de R$ 3 bilhões, e aos exportadores, isenções a estatais, mais de R$ 10 bilhões.
Houve, com a Lei Sarney, um renascimento, centenas de livros de arte foram publicados; produzidos filmes, peças de teatros; reconstruídas casas de espetáculo, como o Teatro Municipal do Rio, o de São Paulo, o Teatro da Paz, em Belém, o Teatro Amazonas, em Manaus; criaram-se orquestras sinfônicas etc. Um mercado nacional de artes; enfim, 20 mil agentes culturais, que, sem custo para o governo, passaram a dedicar-se à promoção cultural.
A Lei do Collor, baseada na dependência dos artistas à aprovação do Estado, não funcionou, é fascista e estatizante. O que sempre pregamos é muito simples: a sociedade industrial gera valores materiais, todos os esforços estão concentrados na direção do lucro. É necessário que o Estado apóie a sociedade para interessar-se pelos valores espirituais, os definitivos. Produzir bens culturais. Para isso é necessário incentivar a cultura. Ninguém entende isso. Nem o fisco nem os que planejam as TR, ORTN etc. e tal.
O ministro Weffort entendeu. E, agora, o governo de Fernando Henrique, que tem obrigação com a cultura, ele mesmo um intelectual, com quem, em parceria, tentamos no Senado evitar que a Lei Sarney fosse derrubada, baixou esta semana um decreto e uma medida provisória que modificam o que aí está, abrindo caminho para que voltem os incentivos fiscais à cultura para funcionar.
A cultura, no Brasil, passou a ser mercadoria paralela ou de câmbio negro. Mas salvou-se a identidade nacional graças à cultura popular.
O ministro da Cultura deu um passo firme. Foi muito bem colocada sua afirmação de que os incentivos culturais são ``um instrumento para promover a cultura, na democracia". Liberdade de criação, fora o Estado na interferência à criação, palmas ao Estado no incentivo da produção de bens culturais!

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