São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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Sereias às avessas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Recebo carta do leitor com informação que não tenho condições de checar. Há também acusações, que não estão bem claras (na carta), mas que sabemos claríssimas na realidade virtual a que todos temos acesso.
Um instituto, formado por empresários ligados a grupos estrangeiros, despejou farta munição em verdinhas durante o ano passado. Garantiu a eleição e o leite das crianças de um selecionado time de políticos, gente de primeira, para usar uma expressão que veio na carta: ``personalidades emblemáticas".
A ajuda tinha um preço estipulado: fazer a prioridade do novo governo deslocar-se dos cinco dedos de FHC (educação, saúde, segurança -esses babados social-democráticos) para a reforma na Constituição.
Em 1988, com Ulysses Guimarães distribuindo cargos e ministérios, o páreo foi duro, e a Constituição saiu jacobina demais para o gosto do instituto. As verdinhas costumam fazer milagres, e os milagres estão sendo feitos.
Há diferenças fundamentais entre um Roberto Campos, que desde que recebeu a tonsura mantém exemplar coerência com suas posições, sendo neoliberal antes mesmo de haver neoliberalismo. É um caso à parte -daí o meu respeito por ele.
E não é o caso dessa turma, que até 1988, pelo menos, vivia agarrada ao Júpiter Troante da época, o finado Ulysses, que era facilmente seduzido por sereias. Esquecendo o exemplo de seu ancestral homérico, o nosso Ulysses não se amarrou ao mastro da jangada e desapareceu no mar.
O assanhamento dessa gente em priorizar as reformas em nome da eficiência do Estado é mais do que suspeita: é um recibo às claras, com firma reconhecida em cartório.
Em crônica desta semana lembrei que os corcundas sabem como se deitam. Os não-corcundas também sabem onde e como devem se deitar. Ontem, o cântico das sereias era socializante. Hoje é neoliberal. Num caso como no outro, o preço foi pago: no passado rolaram cargos e ministérios. Agora rolaram verdinhas.

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