São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Juro alto aprofunda desaceleração da economia e eleva dívida pública

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A concordata da Casa Centro, uma das maiores redes varejistas de eletrodomésticos do país, chegou aos empresários na semana passada como o mais sonoro alerta emitido pela economia desde o Plano Real.
A notícia foi interpretada como um marco entre o crescimento que brotava desde o real e uma ladeira recessiva por onde a economia começa a escorregar.
``A Casa Centro foi o golpe no fígado que vai precipitar vários acontecimentos", afirma Roberto Teixeira da Costa, da Brasilpar Participações e membro de conselhos de administração de algumas das maiores companhias do país.
``A economia só não parou mais por que vinha a uma velocidade de carro de corrida. Mas já já vamos todos bater com a cara no vidro", diz o empresário Carlos Loureiro, presidente do Grupo Rio Negro, maior distribuidor de aços do país e fornecedor de empresas de eletrodomésticos, máquinas etc.
O maior responsável pelas dificuldades de algumas empresas e pela paradeira na economia é o juro alto praticado pelo governo -taxado pelo próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, na sexta-feira, de ``escorchante".
O juro no Brasil é hoje de 60% ao ano, duas vezes maior do que a inflação prevista para 1995. Ele alimenta em quase US$ 100 milhões ao dia a dívida federal.
Com base neste valor, três dias seriam o bastante para pagar a dívida que quebrou a Casa Centro.
Na semana passada, o ministro da Fazenda Pedro Malan tratou de eximir-se de responsabilidades diante da nuvem negra que se aproxima. E, segundo a Folha apurou, FHC aposta suas fichas na política da Fazenda.
Malan diz que os empresários e consumidores erraram ao apostar no crescimento e ao recorrer aos empréstimos para crescer e consumir.
E foi exatamente no crédito que o maremoto começou.
A partir de março, milhares de consumidores que haviam comprado pelo crediário foram surpreendidos por um forte aumento nas suas prestações -causado pela elevação dos juros- e não tiveram como pagar suas contas.
O calote nas lojas aumentou 266% em abril (sobre abril de 94), segundo a Associação Comercial de SP, e obrigou muitas redes a transferirem a conta para as indústrias. Sem receber, as indústrias fizeram o mesmo: não pagaram os fornecedores de matérias-primas.
Agora, a onda de calote que foi até o fim da cadeia produtiva volta como um bumerangue na forma de restrição de crédito às empresas que não pagam o que devem.
O diretor da Fiesp, Horácio Lafer Piva, compara o quadro atual a um ``barril de pólvora".
Na semana passada, segundo Teixeira da Costa, da Brasilpar, todas as grandes companhias passaram a rever listas de clientes e fornecedores e a trabalhar com muita cautela para não serem surpreendidas pela ressaca do calote.
E o setor financeiro, que supostamente serviria de bóia para quem afunda, deixou de ser a salvação.
O banqueiro Roberto Setúbal, presidente do Itaú, afirma que, em abril, caiu pela primeira vez desde o Plano Real o volume de empréstimos concedidos a empresas.
Nas últimas semanas, segundo a Folha apurou, o calote dado nos bancos por companhias endividadas mais do que dobrou -obrigando-os a ficar cada vez mais seletivos nos empréstimos.
``A diminuição dos empréstimos bancários que alimentam a produção cria uma situação onde não é o consumidor que pára de comprar. É a indústria que deixa de produzir", diz Piva, da Fiesp.
Mesmo se os empréstimos fossem fartos, recorrer ao endividamento neste momento para pagar uma dívida ou fornecedor seria o mesmo que cometer suicídio.
A causa da morte: uma empresa que emprestar R$ 800 mil em um banco terá de pagar R$ 1.021 milhão (27,7% a mais) em um prazo máximo de três meses.
Fazer qualquer quantia crescer nesta velocidade seria uma façanha, mesmo com as vendas a pleno vapor -o que não é o caso.
Emílio Alfieri, da Associação Comercial, fazia as contas na sexta-feira e dizia que a economia pode desaquecer até dezembro a ponto de anular os ganhos obtidos com o real. ``Estamos embicando muito rápido para baixo", diz.
Setúbal teme que o desaquecimento venha acompanhado de ligeiros aumentos na inflação.
Em alguns setores, o efeito perverso do juro alto combinado ao desaquecimento já aparece -especialmente nas pequenas empresas.
Caso dos comerciantes de material de construção, onde 60% faturam menos de R$ 100 mil/mês: em abril, a margem de lucro era de 30%. Em maio, já bateu em 45%, segundo Claudio Conz, presidente da Anamaco, que reúne os lojistas.
Isto significa que as empresas estão vendendo menos por mais.
Mesmo as companhias sem dívidas tendem a aumentar seus preços só por causa dos juros.
No setor de aço, por exemplo, as distribuidoras deixam estoques parados por dois meses. O tempo é gasto para receber, cortar e preparar as chapas para a venda.
Acontece que o aço custa dinheiro, que renderia 4% ao mês, no mínimo, no banco. Resultado: na hora de vender as chapas, as empresas acrescentam ao preço os 4% que deixaram de ganhar.
O empresário Roberto Jeha, coordenador do grupo de Política Industrial da Fiesp, afirma que, embora se conheçam as causas da crise atual, ``é difícil saber onde a brecada vai parar".
O ex-ministro da Fazenda e Planejamento, Mário Henrique Simonsen, diz que ``baixar os juros agora seria perigoso para a inflação". Segundo ele, as reclamações dos empresários se encaixam na conjuntura. ``Sempre que há desaquecimento, há protestos", diz.

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