São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Simonsen diz que só ajuste do governo pode baixar taxa

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Simonsen diz que só ajuste do governo pode baixar taxa
Se o governo baixar os juros reais, como querem os empresários, o resultado será uma inflação maior. A conclusão é do ex-ministro da Fazenda (governo Geisel) e do Planejamento (governo Figueiredo), Mário Henrique Simonsen, 60. A única forma de reduzir juros seria melhorar as contas do governo -aumentar a arrecadação ou cortar gastos, o ajuste fiscal- o que, para ele, é difícil de se obter a curto prazo.
O ex-ministro conhece de cor os estragos que juros altos produzem. Em suas contas, do caixa do governo fluirão US$ 20 bilhões apenas para pagar o rendimento de seus papéis -um quarto da arrecadação federal.
Simonsen acha que inadimplência e algumas quebras de empresas são decorrências naturais de programas de estabilização. Para quem acha este o pior dos mundos, ele faz questão de lembrar: ``Raras vezes na história de um plano houve tanta euforia e tanta prosperidade quanto no Plano Real".
Fazer os juros aterrissarem seria mais fácil se os formuladores do Plano Real tivessem aumentado, logo de início, por exemplo, o Imposto de Renda na fonte -eliminando parte da renda que desaguou no consumo.
Ou ainda, segundo Simonsen, se a política salarial do funcionalismo público não tivesse sido tão generosa como foi no governo de Itamar Franco. ``É sempre muito melhor usar medidas fiscais que medidas monetárias", analisa.
Sem meios para aumentar receitas ou cortar gastos, os juros poderão declinar se a privatização for acelerada. Com o dinheiro, a dívida pública pode ser abatida e seu custo também. Simonsen acredita que o consumo já começou a declinar e opina que o governo não deve ceder a pressões.

Folha - Há um protesto geral de empresários contra as altas taxas de juros. Eles têm razão?
Mário Henrique Simonsen - As taxas estão extremamente elevadas, sem dúvida nenhuma. Mais ainda, há uma grande cunha fiscal entre as taxas de aplicação e as taxas de empréstimos, por causa das incidências fiscais, IOF, e os compulsórios impostos.
O problema é que sem um ajuste fiscal maior, mais profundo, baixar as taxas de juros sem mais nem menos, sem nenhuma medida complementar, pode ser perigoso para a inflação. Você aumenta a liquidez da economia, o que certamente vai deixar os empresários muito satisfeitos num primeiro momento, mas pode trazer pressões inflacionárias.
Folha - Não existem alternativas para esta política?
Simonsen - É evidente que se tem soluções muito melhores, com taxas reais de juros mais baixas, mas elas passam por um processo de ajuste fiscal e, muito particularmente, pela rapidez do programa de privatização.
Folha - Mas o fato desta política de juros altos só surtir algum efeito a médio prazo não é preocupante?
Simonsen - Mas ela já está surtindo efeitos. Os juros estão altos desde o princípio do Plano Real. Ao contrário do Plano Cruzado, que foi extremamente generoso com juros, só que desandou com muita rapidez também. O Plano Real tem sido bem mais apertado em juros, em compensação não desandou.
Folha - Juros altos barram a explosão de consumo?
Simonsen - Eu acho que a explosão de demanda está razoavelmente contida. Agora já se começa a ver indícios de um certo desaquecimento da atividade. Claro, sempre que se tem algum desaquecimento da atividade pode ter certeza que as classes empresariais vão protestar. As classes produtoras gostam de economia aquecida, sempre foi assim em toda parte do mundo. Mas isto não é razão para o governo ceder.
Folha - Inadimplência e quebra de empresas não preocupam?
Simonsen - Isto acontece em qualquer plano de estabilização. Raras vezes na história de um plano de estabilização houve tanta prosperidade e tanta euforia quanto no Real.
Folha - Por que sempre se persegue o consumo? Não há outras formas de segurar a inflação?
Simonsen - Claro que sim. Se houvesse desde o início do plano, por exemplo, um maior recolhimento do Imposto de Renda na fonte se teria um efeito muito maior de contenção. Que existem meios, existem.
Um fato que quase ninguém fala é que no ano passado houve uma política salarial extremamente generosa. Os aumentos concedidos ao funcionalismo público no final do governo Itamar Franco foram muito grandes. Em termos reais, a despesas do funcionalismo federal dobraram no governo Itamar Franco. Se houvesse uma política mais contida de gastos públicos haveria menos necessidade de recorrer aos juros para refrear o consumo.
Pode-se dizer que é sempre muito melhor usar medidas fiscais do que medidas monetárias. Agora, no Brasil, as medidas que funcionam mais rápido são as de juros, os ajustes fiscais levam mais tempo.
Folha - O governo não está pagando uma conta muito alta por esta política?
Simonsen - Os juros reais que o governo paga são muito altos. A expectativa é que se tenha durante o ano todo uma conta de juros reais de US$ 20 bilhões, aproximadamente 25% da receita tributária. O que é realmente muito dinheiro.
Folha - Aplicar juros altos durante tanto tempo, como se faz no Brasil, não reduz o poder de fogo desta política?
Simonsen - É aquela história, num país onde o grande devedor é o governo, uma política de juros altos é uma política que tem dois efeitos: de um lado, inibe o consumo privado, de outro aumenta o déficit público e isto, por outro lado, aumenta o consumo privado.
Folha - Existem outras medidas de curto prazo que poderiam ser adotadas neste sentido e não estão sendo?
Simonsen - Na área fiscal eu acho difícil fazer alguma coisa porque qualquer medida que se tome só poderá entrar em vigor no ano seguinte, pelo princípio da anualidade estabelecido na Constituição. Portanto, não existiria nada que se pudesse fazer até o final do ano.
Folha - Os juros altos não vão jogar em breve o dólar para perto do piso da banda cambial estabelecida?
Simonsen - Na medida em que se tem juros altos se produz, pelo menos durante uma certa temporada, valorização cambial. A mudança no grau de confiança no Brasil, por causa das reformas que estão avançando, também tem causado mais entrada de capital externo.
Se você perguntar por quanto tempo o governo é capaz de manter a atual banda, eu respondo que vai depender do que ele fizer em matéria de incentivos à exportação e de tarifas de importação.
Folha - Vamos chegar a uma situação complicada como a de março, quando o governo desvalorizou o real?
Simonsen - Não chego a este grau de pessimismo. Mas acho que uma coisa é clara: na medida em que for possível, diminuir os juros é muito desejável. Mas a única maneira saudável de se fazer isto é se acelerar o programa de privatização.
Folha - Mesmo que as receitas venham a conta-gotas e a curto prazo?
Simonsen - Não precisa ser tão a conta-gotas nem tão a médio prazo. Não se pode esquecer que no governo Collor o programa de privatização andou. O primeiro passo nós demos.
Depois começou a se desacelerar. No governo Itamar, o programa caminhou realmente a passos de cágado. Agora é necessário acelerar, e o governo tem dito que vai fazer isto, que pretenderia resgatar metade da dívida interna em dois anos. Se conseguir, será bom.
Folha - O sr. incluiria no programa de privatização os bancos estaduais?
Simonsen - Eu incluiria por princípio, mas não sei se eles renderiam alguma coisa. O problema é saber quem vai querer levar os bancos estaduais. Não sei. Não acho que eles tenham grande valor, a não ser que os Estados paguem as suas dívidas, se sanearem o passivo e reduzirem custos.
Alguém pode comprar e fazer a redução, desde que os custos da indenização de pessoal e cortes de gastos sejam levados em conta no preço.
Folha - O governo vai conseguir obter superávit comercial razoável?
Simonsen - Não adianta querer fazer adivinhação. Obviamente, as medidas que foram tomadas em março só vão poder realmente ser avaliadas a partir de junho, julho. Vai dar para ter um superávit de US$ 1 bilhão por mês? Talvez dê uns US$ 500 milhões, o que já é um bom resultado.
Mas não adianta fazer estimativas. Vi várias estimativas econométricas de balança comercial, cada uma indo para um lado.
Folha - Como se conseguiu produzir déficits na balança tão rapidamente?
Simonsen - Houve de tudo para isto. A economia foi aquecida, o câmbio foi valorizado e as importações foram liberadas.
É aquela história: as pessoas estão habituadas a poupar, como é que de repente elas passam a gastar? É só dar uma chance.
Quando um país faz uma liberalização de tarifas é necessário uma desvalorização compensatória. No Brasil, foi o contrário, houve uma valorização descompensatória.

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