São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Átomos e bits

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Nicholas Negroponte fundou e é diretor do já mitológico MediaLab, do Massachussetts Institute of Technology. Acaba de lançar por aqui seu ``Vida Digital", uma coletânea de textos escritos originalmente para a ``Wired", revista que embala o mundo da garotada micro & modem e movimenta, com suas cores e design, o meio das artes gráficas.
Negroponte é um profeta do mundo Internet, construído por bits e infovias, que começa a bater às portas de todos nós. Imagina situações mirabolantes para o futuro. Como a perspectiva de que telas de computador venham a ser vendidas em estado líquido, bastando ao usuário ``pintá-las" na parede que desejar.
Negroponte (leia entrevista hoje, no caderno Finanças) divide o mundo entre átomos e bits. O mundo dos átomos é o do transporte de informação através de uma base material: a música no CD, o vídeo na fita, a notícia no jornal. O mundo dos bits é o da transmissão de sinais à velocidade da luz através de fibra ótica ou satélites.
Claro que ele aposta todas as fichas nos bits. Mas, curiosamente, virou colunista de um produto da galáxia de Gutemberg e reuniu seus trabalhos no mais tradicional dos meios -o livro impresso. Ele justifica a opção afirmando que ainda não existem ``dispositivos digitais" nas mãos de todos, especialmente do público que pretende atingir, ou seja, as pessoas ainda não ``digitalizadas".
Acrescenta a isso um segundo e interessante motivo: ``Mesmo onde os computadores são onipresentes, a interface atual é primitiva -desajeitada, na melhor das hipóteses: dificilmente desejaríamos nos refestelar na cama com uma delas".
Vindo de quem vem, um apologista dos bits, a observação relativiza a histeria ``new media", que tenta aposentar de uma penada -perdão, de uma teclada- meios tidos como ultrapassados e sem futuro, como o livro, a revista ou o jornal.
Claro que consultar e guardar uma enciclopédia num CD-ROM é bem mais cômodo do que empilhar papel numa estante. Mas convenhamos que ``O Vermelho e o Negro" numa tela de computador é ilegível.
O mundo dos bits ainda não apresentou suportes alternativos convincentes para uma série de produtos informativos. E muitas das virtudes exaltadas por seus apologistas -informação instantânea, capacidade de mesclar foto, vídeo, filme, animação- são conhecidas por qualquer espectador de TV.
Negroponte diz que estamos naquele ponto em que uma progressão exponencial se avizinha do salto espetacular.
Mas o pulo ainda não foi dado: as ``new media" parecem ser, por enquanto, produtos de transição, à espera de sua própria superação.
Até lá -e talvez mesmo lá- meios tidos como ``ultrapassados" não podem ser considerados doentes terminais.
A fotografia, que acabaria com a pintura, seria destruída pelo cinema que, por sua vez, desapareceria com o vídeo e a televisão.
Bem, não foi exatamente assim que aconteceu. E eu quase apostaria que Negroponte esconde em sua carteira feita de átomos um pedacinho do século 19: o indefectível retrato da filhinha.

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