São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Posse de Pertence abre novas perspectivas à Justiça

WALTER CENEVIVA

José Paulo Sepúlveda Pertence foi vítima da injustiça que atingiu seu mestre e companheiro de escritório, Victor Nunes Leal: ambos foram colhidos pela prepotência arrogante do poder arbitrário. Nunes foi cassado quando mal assumira a vice-presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Pertence anistiado, chegou à presidência, recebendo-a num momento em que o Judiciário está na mira da crítica nacional.
No discurso de posse referiu-se às críticas. Sua reação foi compatível com o relevo constitucional de seu novo cargo: ``é preciso reagir. E sem tardança. Não, porém, com os excessos da suscetibilidade dos que se pretendem intocáveis". A ponderação é relevante. Tenho encontrado a tendência condenável, de muitos membros da magistratura, de atribuírem improbidade e a malícia a seus críticos. O presidente do STF deu a medida: ``a reação que a hora nos impõe é a necessária", mas ``menos para retribuir o insulto do que para esclarecer os mal-informados a que não se deixem iludir e manipular".
Quando essas palavras são proferidas pelo presidente da mais alta corte de justiça do país é preciso festejar. O Judiciário calado é, hoje, inconcebível. Sempre entendi que os juízes são obrigados a darem explicação cabal de seus atos (e de suas deficiências) ao povo que os remunera. Domina, no presidente do Supremo ``a consciência, vinda de longe, da exatidão objetiva de muitos dos seríssimos vícios atribuídos à prestação dos serviços judiciários no país. Eles vão da indigência e da má distribuição dos recursos humanos e materiais disponíveis à crescente lentidão das decisões, que se somam à carestia do processo e ao obsoletismo das formas processuais, tudo a concorrer afinal, decisivamente, para a ineficácia e o resultado frequentemente iníquo e socialmente discriminatório da ação da Justiça no Brasil."
Coincidências da vida me aproximaram de momentos da carreira de Sepúlveda Pertence. Estive presente no primeiro júri que ele fez, como membro do Ministério Público, há mais de 3 anos. Quando voltou à advocacia, depois de cassado, acompanhei sua atividade com Victor Nunes. Nesta mesma Folha fui mediador do debate travado, na sua campanha pela presidência do Conselho Federal da OAB, com o hoje senador Bernardo Cabral. Por coincidência, também a carreira do ministro vice-presidente, José Celso de Mello Filho, tem pontos de contato com minha atividade profissional. Foi curador de registros públicos, em São Paulo, onde o encontrei e onde trocamos idéias sobre temas dos quais ele é grande conhecedor.
A precisa sensibilidade social de Pertence o levou a perceber que as mazelas são velhas, mas a novidade atual consiste na ``expansão social da consciência popular das deficiências da Justiça e a exigência cada vez maior de sua superação". Os obstáculos ao acesso, do homem sem privilégios à jurisdição, são graves e numerosos, salvo, no dizer de Pertence, ``para compor a clientela de preferência da repressão penal ou da garantia dos créditos da agiotagem voraz".
Nem tudo pode ser debitado à magistratura. O Judiciário, contudo, tem-se apegado a deficiências dos outros poderes para desculpar-se de defeitos que são seus e que lhe prejudicam a imagem perante o povo. Quando vejo o presidente do Supremo mobilizar o poder simbólico de seu cargo para ``provocar a reflexão crítica e aberta, sobre as soluções cabíveis para uma Justiça ao menos razoável", num país que ``ainda não superou a humilhação e a vergonha da miséria de grande parcela do seu povo" retomo a crença de que a solução dos males judiciais é possível.

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