São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Mentir em currículo às vezes dá certo

DENISE CHRISPIM; MARIN LUÍS PEREZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Para impressionar num processo de seleção, alguns candidatos se valem de artifícios de alto risco -incluir no currículo meias-verdades e até mentiras deslavadas.
O sucesso dessa tática depende de um pouco de sorte e de muita veia teatral do candidato. Isso porque o currículo não garante a contratação de um profissional.
Todas as informações nele listadas costumam ser alvos de perguntas cruzadas no momento da entrevista de seleção e de checagem com antigos empregadores.
Embora casos de mentiras não sejam frequentes, eles ocorrem. Algumas vezes, não são detectados na seleção e seus autores acabam conquistando o emprego.
``Mentir no currículo é uma estratégia desesperada de quem quer a oportunidade da entrevista a qualquer custo", diz José Augusto Minarelli, diretor da consultoria Lens & Minarelli Associados.
As mentiras clássicas aparecem em itens do currículo como o domínio de idiomas ou o motivo de demissão na empresa anterior.
Quando procuram profissionais que saibam inglês para uma empresa, as consultorias de RH (recursos humanos) costumam publicar anúncios no idioma. O texto também reforça esse requisito.
Candidatos cujos currículos foram aprovados são mais uma vez avisados sobre a exigência do idioma -e mesmo assim aparece na entrevista quem só fala português.
A American Express contratou um profissional que alegava saber inglês, embora estivesse ``enferrujado" no momento. Seguindo sua filosofia, confiou no candidato.
``Apesar de ele ser competente, não pôde ser promovido", diz Jorge Fornari, 46, vice-presidente de RH da empresa, que chegou a matriculá-lo em um curso de inglês. ``Não fosse isso, faria uma carreira brilhante", completa.
Mencionar cursos em universidades de ponta ou omitir o fato de que não chegou a se formar são outras distorções frequentes.
Isso se deve a uma prática comum nos processos de seleção: raramente os certificados de conclusão de cursos são exigidos.
No ano passado, o consultor Oswaldo Donatelli, 52, diretor da Potencial Consultoria, entrevistou um candidato a chefe de planejamento e controle da produção.
Seu currículo apontava que havia se formado pela Fundação Getúlio Vargas. Donatelli desconfiou. Inventou nomes de pessoas que teriam estudado na mesma época e perguntou se as conhecia.
O candidato suou frio, ficou inquieto e confessou que havia concluído o curso de administração de empresas em outra escola.
Para a consultora Ana Maria Cadavez, 46, gerente sênior da consultoria em RH da KPMG, o importante na entrevista não é pegar pequenas distorções, mas identificar desvios de caráter.
No banco de currículos da KPMG, cerca de 20 nomes compõem uma lista negra. Um deles é de um especialista em controlado ria que afirmava ter experiência anterior em duas empresas.
Na entrevista, todos os pré-requisitos do candidato foram checados e aprovados. Mas nenhuma das empresas nas quais alegava ter trabalhado afirmou conhecê-lo.
Os selecionadores muitas vezes se deparam com candidatos que não só mentiram no currículo, como também se prepararam cuidadosamente para convencê-los.
Alguns consultores em seleção já conhecem o tipo. Na sala de espera, parecem pacatos. Ao iniciar o diálogo, usam frases de impacto, apóiam cotovelos sobre a mesa e mostram-se agressivos.

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