São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O insolente Oscar Wilde

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Suas frases, de cintilante agudeza e desconcertante cinismo, correm o mundo há mais de um século, ditas e repetidas até por quem nunca pôs os olhos num texto dele. Dispersas nas peças, nos ensaios e no único romance que escreveu, "O Retrato de Dorian Gray", formam um conjunto de epigramas, aforismos e paradoxos de matar de inveja La Rochefoucauld. Exemplos clássicos:
"O cínico é um sujeito que sabe o preço de tudo e o valor de nada."
"É um absurdo dividir as pessoas em boas e más. As pessoas ou são encantadoras ou tediosas."
"Experiência é o nome que todos dão aos seus erros"
"O primeiro dever na vida é ser tão artificial quanto possível. Ninguém descobriu qual é o segundo."
"Perversão é um mito inventado pelas pessoas de bem para explicar a curiosa atração dos outros."
"Em todos os assuntos sem importância o estilo, e não a sinceridade, é o essencial. Em todos os assuntos importantes, o estilo, e não a sinceridade, é o essencial."
"Se alguém diz a verdade, pode ficar certo de que, mais cedo ou mais tarde, será descoberto."
"Nenhum crime é vulgar, mas toda vulgaridade é um crime."
"Só as qualidades supérfluas são duradouras."
"Amar a si mesmo é o começo de um idílio que dura a vida inteira."
"É melhor ser bonito do que ser bom, mas é melhor ser bom do que ser feio."
"O trabalho é a maldição da classe média."
"Nada que vale a pena aprender pode ser ensinado."
"Eu resisto a tudo, menos à tentação."
"Não existe livro moral ou imoral. Os livros ou são bem escritos ou mal escritos."
Algumas dessas sentenças podem trazer à memória até o nosso Millôr Fernandes, um dos muitos discípulos de Oscar Wilde. Não tão direto, é verdade, como Paulo Barreto, vulgo João do Rio, wilderiano inclusive na forma física e nos desvios sexuais.
Foi às margens do Tâmisa, contudo, que Wilde gerou mais seguidores, nem todos homossexuais como Ronald Firbank (tão devoto que no mestre modelou dois personagens de "The Princess Zoubaroff") e Noel Coward. Evelyn Waugh, ao menos oficialmente, era heterossexual, se bem que não tão fanático quanto P.G. Wodehouse, que às peças de Wilde deve o seu universo de tias e mordomos pitorescos. Richard Ellmann, o último biógrafo de Wilde, acrescenta a este elenco o poeta William Butler Yeats, cujo credo estético teria saído de certas observações do ensaio "A Decadência da Mentira".
O crítico Desmond MacCarthy estendeu a "influência" de Wilde a outras duas cabeças ainda mais surpreendentes: a de Tolstoi, que também via na punição aos bons o crime maior das sociedades pretensamente organizadas contra o crime, e a de Samuel Butler, cuja ética estaria contida nesta frase de Wilde: "Nada pode curar a alma a não ser os sentidos, assim como nada pode curar os sentidos a não ser a alma.
Nem em seu leito de morte, Wilde baixou o facho. "Estou morrendo além das minhas posses", gracejou a um amigo, no quarto do modesto Hotel d'Alsace, em Paris, onde uma meningite cerebral deu cabo de sua vida em novembro de 1900. Consta, ainda, que suas últimas palavras teriam sido uma ameaça ao horrendo papel de parede do quarto: "Ou ele se vai ou eu me vou". O papel ficou, ele se foi.
Não o mandaram de volta para Londres ou Dublin, sua cidade natal. Seu repouso eterno acabou sendo, mesmo, a cidade que melhor o tratara em vida. A exemplo de tantas outras estrelas (inclusive do rock, como Jim Morrison), Wilde foi enterrado no cemitério Père Lachaise. Nem lá lhe deram sossego. Volta e meia um ou mais vândalos picham e danificam o seu túmulo. Há três anos tiveram de restaurá-lo outra vez. O ódio que Wilde despertou na hipócrita e puritana sociedade britânica de cem anos atrás, ao que tudo indica, não virou cinzas.
Em compensação, seu fantasma, como o de Canterville, não nos deixa em paz. E é bom que assim seja. Bom para o fortalecimento da tolerância e para a consolidação de uma desconfiança: Wilde não foi apenas o frasista mais brilhante e o dândi mais prosa, famoso e maldito da Inglaterra vitoriana. O exigente Bernard Shaw não estava brincando quando, a propósito de "Um Marido Ideal", o qualificou de "o nosso único dramaturgo completo". O também britânico Christopher Hitchens tampouco estava de gozação quando, na edição de maio da revista "Vanity Fair", alçou às nuvens a contribuição literária e existencial do dramaturgo, escritor, poeta e jornalista mais lido e citado que a Irlanda viu nascer.
Sei que a "Vanity Fair" não é publicação lá muito digna de figurar nas páginas deste caderno, mas Hitchens sem dúvida o é. Seu entusiasmo não deriva de uma identificação com as preferências sexuais de Wilde, e sim de um entusiasmo, cada vez maior, pela riqueza de suas contribuições não só ao teatro como à arte de pensar e filosofar com inteligência. Por isso, em vez de se pautar pelos cem anos do processo, que afinal o arruinou, escudou-se em outro evento igualmente centenário: a estréia, em fevereiro de 1895, de "A Importância de Ser Prudente", sua melhor obra teatral.
Ela já estava quatro dias em cartaz quando o marquês de Queensberry, furibundo com o caso de Wilde com seu filho, lorde Douglas (ou Bosie, como Wilde o tratava), partiu para a ignorância. Pretendia atirar nabos, tomates e cenouras no autor, quando este fosse chamado ao palco, após o espetáculo, mas acabou desistindo da baixaria. O escândalo, porém, começaria ali, e, com ele, a derrocada do amante de Bosie, que era, descobriu-se depois, tão canalha quanto o pai.
Numa de suas tiradas orais, Wilde anunciou que seu objetivo na vida era "entreter as classes trabalhadoras, enfurecer a classe média e fascinar a aristocracia". Conseguiu tudo isso, sobretudo enfurecer a recalcada classe média, que, segundo suas próprias palavras, perdoa tudo, menos o gênio.
Especialmente quando o gênio insiste em desmoralizar certos valores caros à burguesia. Como, por exemplo, a família: "Os parentes são, simplesmente, uma porção de gente aborrecida que não tem a mais remota noção de como se deve viver, nem o mais ligeiro instinto de quando se deve morrer". E outros, tão ou mais preciosos: "Há três classes de déspota. O déspota que tiraniza o corpo. O déspota que tiraniza a alma. O déspota que tiraniza, ao mesmo tempo, os corpos e as almas. Ao primeiro, dá-se o nome de Príncipe. Ao segundo, o de Papa. Ao terceiro, o de Povo."
Na primeira escorregadela dele, os abutres levantaram vôo. Já visto como "decadentista" e "degenerado" por setores da imprensa londrina desde a publicação, em 1891, de "O Retrato de Dorian Gray" ("um livro venenoso, em cuja atmosfera pesam os odores mefíticos da putrefação moral e espiritual", urrou o crítico do "Daily Chronicle"), quando a batalha jurídica com o marquês de Queensberry teve início nem sua reputação de frasista se manteve de pé.
Datam desse período algumas acusações de plágio, até prova em contrário levianas. Pelo menos uma delas era divertida. Envolvia o pintor James McNeill Whistler, 20 anos mais velho, que vivia acusando Wilde de roubar suas mais inspiradas frases de efeito. Um dia, ao ouvir um chiste de Whistler, Wilde teria comentado: "Quem me dera ter sido o autor dessa". Mais que depressa, o pintor retrucou: "Você ainda vai ser".

Texto Anterior: A aguda sintonia de Monteiro Lobato
Próximo Texto: O JULGAMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.