São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Cientistas disputam corrida pela identificação de genes bacterianos

Um grupo de pesquisa deixou claro que sua meta é comercial

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Genoma é o conjunto dos genes de um indivíduo. Há anos se implantou nos Estados Unidos o gigantesco Projeto Genoma Humano (HGP), que objetiva o sequenciamento dos quase 3 bilhões de pares de bases nitrogenadas que compõem o genoma humano.
No projeto colaboraram centenas de instituições e pesquisadores em todo o mundo.
Por sequenciamento entende-se a determinação da estrutura molecular dos genes e de seus produtos imediatos.
Além dos trabalhos específicos do projeto, seus coordenadores necessitam da pesquisa sequencial de outros genomas.
O primeiro desses projetos paralelos foi o sequenciamento do genoma da Escherichia coli, bactéria comum, muito usada em microbiologia molecular.
A E. coli tem apenas um cromossomo com o total de 4,7 milhões de pares de bases nitrogenadas, e o otimismo dominante em 1990 quanto ao seu sequenciamento previu que essa tarefa, confiada a Fred Blattner, da Universidade de Winsconsin (EUA), seria cumprida em quatro anos.
Mas infelizmente as previsões estavam erradas e agora, quando o prazo está para esgotar-se, descobriu-se que somente 40% das bases se acham sequenciadas.
Muito se têm discutido as razões do grande atraso, mas, de um modo geral, se pode afirmar que o prazo foi calculado antes de se conhecer a tecnologia a ser usada.
Blattner empregou a que havia de melhor naquela época, que se revelou muito lenta.
Só depois apareceram máquinas de rápido sequenciamento. Os resultados de Blattner se aceleraram muito nos últimos tempos, mas mesmo assim, a E.coli não será o primeiro indivíduo de vida livre a ser sequenciado, como era intenção dos coordenadores do projeto.
Usando tecnologia mais moderna, o Institute for Genomic Research (TIGR), em Gaithesburg, Maryland (EUA), anunciou haver sequenciado 99% de outra bactéria, Haemophilus influenzae, causador de otites e com 1,9 milhão de pares de bases nitrogenadas, num tempo recorde de seis meses.
Já se haviam sequenciado genomas de vírus, mas estes não são indivíduos de vida livre. O trabalho da TIGR seguiu todo o ritual adotado nesse gênero de tarefas, com publicação e correção, depósito no Gen Bank etc.
Acontece, porém, que a comunicação da TIGR foi, na última hora, ``atravessada" por um comunicado de imprensa segundo o qual a Genome Therapeutics Corp (GTC), de Whaltam, Massachusetts (EUA), havia feito o sequenciamento de Helicobacter pylori, bactéria associada a úlceras pépticas, negando-se porém a seguir os procedimentos éticos e deixando claro que seus objetivos são pura e simplesmente comerciais.
Mas, de qualquer modo, atrapalhou a prioridade de H. Influenzae.
Nesse ínterim, o Departamento de Energia decidiu patrocinar por métodos rápidos o sequenciamento de três bactérias de 1 milhão a 2 milhões de bases, que vivem em altas temperaturas e poderão proporcionar parte da informação que se esperava da E. coli.
Algumas dessas bactérias convertem produtos residuais em metano, devendo auxiliar a identificação de enzimas industrialmente importantes.
Talvez a E. coli não figure nem mesmo entre os dez primeiros sequenciamentos de indivíduos de vida livre.
Nem por isso deixará de ser um dos mais úteis, pelo rigor do sequenciamento, pelo meticuloso expurgo de erros e cuidadosas anotações, pela identificação de genes e regiões reguladoras, pela correlação dos genes com funções biológicas e outras muitas qualidades que tornarão sempre lembrado o nome de Blattner, apesar de seu aparente malogro.

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