São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governos devem perder monopólio da paz

JIMMY CARTER

Algumas pessoas se perguntam porque eu me engajo em missões de paz delicadas e importantes, como as da Coréia do Norte, do Haiti e da Bósnia-Herzegóvina. Outras pessoas chegam a fazer objeções a meu envolvimento nelas.
Alguns desses críticos são as mesmas pessoas que propuseram o bombardeamento de Teerã, em 1980, como meio para pôr fim à crise dos reféns norte-americanos no Irã. Elas consideram que o uso de poderio militar, especialmente quando avassalador, é politicamente mais atraente do que negociações, que tomam muito tempo e têm resultados imprevisíveis. Os Estados Unidos já demonstraram isto em Granada, no Panamá, na Guerra do Golfo e -quase- no Haiti.
Infelizmente, o mundo está se voltando, com frequência cada vez maior, ao recurso à força armada. No momento em que você lê esta coluna, há mais de 30 conflitos de grande porte no mundo, quase todos guerras civis.
Quando os governos centrais dominantes se fragmentam, como aconteceu na União Soviética e na Iugoslávia, surgem enfrentamentos étnicos e religiosos. A opressão e os abusos dos direitos humanos, a degradação ambiental e as explosões populacionais nos países mais pobres provocam, cada vez mais, lutas armadas, que são travadas não apenas por liberdade e respeito próprio, mas também por comida e lenha.
Embora centenas de milhares de pessoas estejam sendo mortas, o mundo ocidental ignora até mesmo o mais mortífero combate, a não ser que ele ameace interesses norte-americanos ou europeus.
O que se pode fazer a respeito?
Acredito que a complexidade das questões envolvidas exija abordagens variadas e inovadoras.
Tendo em vista a multiplicidade dos conflitos, geralmente existem alguns em que um dos lados, ou ambos, querem chegar à paz.
Mas a maioria dos partidos governistas resiste a qualquer intervenção oficial em suas disputas civis. Sem sua aprovação, qualquer tentativa de um embaixador estrangeiro ou da ONU de comunicar-se com revolucionários que estejam tentando mudar ou derrubar um governo é inapropriada.
É especialmente preocupante, às vezes, quando os Estados Unidos -ou qualquer outro governo- se aliam a uma das partes conflitantes, ou se envolvem diretamente numa disputa. Sentimentos intensos são gerados contra adversários, às vezes deliberadamente.
Por exemplo, devido aos vínculos próximos dos EUA com Israel, Coréia do Sul ou o presidente Jean-Bertrand Aristide, do Haiti, foi politicamente difícil para os EUA, recentemente, tratar com os principais participantes das disputas no Oriente Médio e na Coréia do Norte, ou com os golpistas no Haiti. Na Bósnia, o grupo de cinco países negociadores teve contato com sérvios só uma vez.
Visitas oficiais a Pyongyang ou a integrantes da Organização para a Libertação da Palestina eram proibidas, impossibilitando o governo norte-americano de manter conversações oficiais com Kim Il-Sung ou Iasser Arafat.
Hoje, não é fácil sequer aventar a hipótese de os EUA envidarem esforços para resolver suas divergências de longa data com o Irã, o Iraque, a Líbia ou Cuba.
Uma política que infelizmente é muito comum é excluir a possibilidade de comunicações com os governantes e impor sanções comerciais contra os cidadãos já empobrecidos, como foi feito no Haiti.
Os países raramente conseguem atingir seus objetivos dessa maneira e terminam ou por proporcionar vantagens comerciais a seus concorrentes ou por desagradar a seus aliados que advogam abordagens diferentes.
Em alguns casos, o melhor caminho para a paz passa por contatos extra-oficiais.
Quando nós, do Carter Center, trabalhamos com outros grupos não-oficiais num país devastado pela guerra, como o Sudão, plantando trigo ou painço, vacinando crianças, construindo habitações ou combatendo doenças, é natural que cooperemos com todos os setores e exploremos terreno comum que pode servir de base para paz.
Não se esqueça que o histórico acordo entre israelenses e palestinos, assinado dois anos atrás, foi consumado por um grupo privado de cientistas sociais da Noruega. Eles trabalharam lado a lado com representantes de seu Ministério das Relações Exteriores e das partes em conflito.
Infelizmente muitos representantes de governos opõem resistência ao envolvimento de cidadãos comuns, porque para alguns deles aceitar ajuda externa equivale a admitir seu próprio fracasso.
Na condição de ex-presidente, compreendo essa relutância, e sempre obtive a aprovação do presidente -Ronald Reagan, George Bush ou Bill Clinton- antes de empreender qualquer missão importante ou politicamente delicada. Também tomo o cuidado de seguir rigorosamente as políticas de meu país.
Apesar disto, alguns críticos consideraram que nossos esforços de mediação usurparam o papel exclusivo do governo.
Mas há momentos em que os representantes governamentais não querem ou não podem estabelecer contatos com ambos os lados envolvidos num conflito. Enquanto as partes conflitantes buscam mediadores neutros e dignos de confiança, a destruição e o sofrimento continuam.
É por isso que a resolução de conflitos, usando todos os meios possíveis -negociação, mediação e a realização de eleições democráticas- é uma das principais prioridades minhas e do Carter Center, e também de outros grupos não-governamentais.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: EUA descartam 2º suspeito, diz jornal
Próximo Texto: Coluna de Jimmy Carter será bimensal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.