São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Traumatologia

O colapso financeiro da Casa Centro abalou os mercados financeiros na semana passada. Para muitos empresários e economistas, trata-se de um marco, um incidente que indica a transição, abrupta e chocante, da fase eufórica da estabilização para uma etapa dolorosa.
Ainda haverá muita discussão, e sem dúvida perícias judiciais também, até que se entendam o alcance e a natureza da crise que atingiu uma rede varejista tão conhecida. Entretanto, sejam quais forem as peculiaridades que afinal vitimaram a empresa, o efeito psicológico sobre a comunidade financeira e empresarial foi traumático.
Para Roberto Teixeira da Costa, presidente da Brasilpar Participações e membro de conselhos de administração de algumas das maiores companhias do país, o episódio ``foi o golpe no fígado que faltava para precipitar uma série de acontecimentos". O diretor da Fiesp Horácio Lafer Piva vê na situação atual um ``barril de pólvora".
O clima lúgubre ficou ainda mais pesado com as declarações do ministro da Fazenda, Pedro Malan, que se eximiu de qualquer responsabilidade diante da quebradeira que muitos antevêem. O ministro diz que empresários e consumidores erraram ao apostar no crescimento e ao recorrer a empréstimos para expandir-se e consumir.
No sistema bancário os efeitos são, potencialmente, ainda mais graves. Toda operação de crédito, por mais garantias que se dêem e checagens contábeis que se façam, repousa em última análise numa relação de confiança.
O credor traumatizado pode, assim, tornar-se rapidamente muito mais seletivo, até mesmo deixando de renovar empréstimos a empresas ainda saudáveis. O trauma leva a uma retração tática. O banqueiro cerca-se de precauções movidas mais pela insegurança, ampliada pelo trauma, do que pela piora objetiva nas condições de uma empresa que há pouco merecia crédito.
O efeito prático desse recato, entretanto, pode ser uma asfixia que afinal transforma a empresa boa em má. O trauma gera uma desconfiança às vezes exagerada ou infundada. Mas essa desconfiança pode resultar em problemas objetivos que, afinal, confirmam os piores temores. É a profecia auto-realizável.
Como o processo está apenas no seu início, cabe perguntar se o pessimismo de empresários, banqueiros e economistas não está de fato um pouco exagerado. Afinal, tem sido impressionante a ciclotimia da opinião econômica nacional.
Nos últimos meses alternaram-se estados de alegria e depressão em quase tudo o que se refere à vida econômica. A inflação estava, há poucos meses, prestes a desembestar. Recuou. Repicou. Agora recuou de novo. A cada guinada, uma maré de profetas do apocalipse saía às ruas. O mesmo se pode dizer a respeito do câmbio, das reservas, do saldo comercial.
Nada impede que a mesma ciclotimia esteja agora dominando as expectativas quanto à evolução do nível de atividades. A psicologia social é determinante na dinâmica da economia. Mas ainda há tempo para evitar o pânico e, se o governo agir com responsabilidade, assegurar uma rota de crescimento econômico moderado e sustentável.
O trauma é real, a terapia mal começou, mas nada indica que o governo seja adepto das camisas-de-força ou do eletrochoque.

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