São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Narcoviolência

A mesma topografia que transforma o Rio de Janeiro numa das mais belas cidades do mundo faz, paradoxalmente, com que a violência urbana ganhe uma visibilidade inaudita. Quando bolsões de miséria e apartamentos de classe média alta disputam metro a metro o mesmo espaço, as iniquidades cometidas pela bandidagem atingem também os mais ricos e despertam ainda mais o interesse da mídia.
Foi assim que o Rio de Janeiro acabou como que se tornando o símbolo da violência no país, embora em São Paulo, Salvador ou qualquer outra grande cidade as atrocidades provocadas principalmente pelo tráfico de drogas sejam igualmente brutais. A diferença maior é que nessas outras metrópoles os grotões de pobreza ficam geralmente na periferia.
Não há duvida de que a criminalidade tem de ser combatida, no Rio ou em qualquer outra parte do Brasil. A questão que se coloca é como se deve enfrentá-la.
Embora indispensável, a ação repressiva quando aplicada isoladamente tende a ser inócua. Prova-o o paupérrimo saldo da intervenção das Forças Armadas no Rio. Há que se convir que seus resultados foram quase nulos, principalmente porque não se realizaram outras ações com o intuito de levar o Estado em seu sentido mais amplo para as favelas, condições que esta Folha apontava neste mesmo espaço como imprescindíveis.
A estratégia que parece ter sido a adotada pelo governador Marcello Alencar para combater o crime é cada vez mais inquietante. Em primeiro lugar, o governador apoiou uma ação policial na favela Nova Brasília que resultou na morte de 13 pessoas, no que foi, ao que tudo indica, uma ``execução". Alencar não determinou nem sequer uma investigação. Autoridades policiais, estranhamente, para dizer o menos, estão escondendo os laudos cadavéricos, ou seja, sonegando informação vital para a sociedade.
Agora, o governador convidou para o cargo de secretário da Segurança Pública o general Nilton Cerqueira que, nos tempos da repressão, dirigia o DOI-Codi da Bahia. Houve uma anistia, é verdade, mas o general parece não ter perdido a truculência e, mal assumiu suas funções, já sugeria alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente para poder imputar penalmente jovens de 14 anos. Um secretário de Segurança Pública deveria saber que a inimputabilidade de menores de 18 anos não está apenas no referido estatuto, mas é também norma da Constituição do Brasil (art. 228).
É evidente que uma política de matar bandidos ao arrepio da lei e instaurar uma espécie de terror policial no Rio não vai resolver nada. Para cada bandido morto -e quem garante que é bandido-, surgem quatro ou cinco dispostos a ocupar a sua vaga, à bala, se necessário. Resultado: mais violência.
Sem abrir mão da ação repressiva serena e nos estritos limites da lei, diminuir a violência é um processo muito mais amplo. Em primeiro lugar, é preciso reformular as polícias Federal, Militar e Civil. Afastar os agentes corruptos ou assassinos, pagar salários dignos e fornecer equipamento adequado é um começo. É preciso ainda mais.
É preciso que a população da favela perceba que não foi esquecida pelo Estado. Isso se faz, basicamente, melhorando a educação e a saúde. O jovem que tiver perspectivas de emprego e sobrevivência digna não será tão tentado a aderir ao tráfico, que é sempre a certeza de uma vida curta e violenta.

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