São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Globo balzaquiana quer ser fina

RICARDO CALIL
DA REDAÇÃO

Aos 30 anos, a Globo não se contenta em ser apenas uma emissora popular. Como uma nova-rica revigorada por um banho de loja, ela pretende provar que também pode ter bom gosto e fineza.
No episódio do ``Você Decide" do sábado passado, ela mostrou sua porção TV Cultura, distribuindo mais citações que livro de Bruna Lombardi.
Elas começaram pelo título do episódio, ``Intermezzo", referência aos filmes (versões sueca e americana) com Ingrid Bergman, em que ela interpreta uma pianista apaixonada por um violinista casado.
No programa brasileiro, Silvia Pfeifer também vive uma pianista e um dilema. Com o marido condenado por um câncer de pulmão, não sabe se volta aos braços de Miguel Falabella, antiga paixão e médico do doente terminal.
Invocando o caráter divino da interatividade, o apresentador Raul Cortez disse que o público seria o Deus que escolheria o final desta fábula.
O resultado (85.787 contra a paixão e 80.058 a favor) e os meios de chegar a ele -menos democráticos do que a interação faria supor- importam menos que a incapacidade de comunicação com o público fora do registro limitado das novelas.
Ao tentar ampliar seu vocabulário e seu universo cultural, a Globo levou ao ar uma das mais inusitadas misturas de kitsch e ``erudito" da história recente da TV brasileira.
Em certo momento, após citar Camões (``Amor é fogo que arde sem se ver/ é ferida que dói e não se sente"), Cortez olha para a câmera, cínico, e afirma: ``Amor é flórida, não é gente?"
Embalados pela trilha de João Gilberto e Cole Porter, os personagens encontraram tempo ainda para citar Shakespeare e Fernando Pessoa. E tocar Brahms. Poderia ser apenas parte da caracterização dos personagens. Mas, se eles eram tão elegantes e letrados, por que falavam bobagens como ``no mundo em que vivemos é muito difícil encontrar um amor verdadeiro"?
Com o ``Você Decide", a Globo parece ter encontrado a alquimia perfeita entre audiência, exportação e interatividade. Mas, a julgar pelas constantes modificações no programa (de formatos, apresentadores e entrevistadores), ela ainda não sabe como evitar soluções simplistas e constrangedoras em um programa que só comporta o sim e o não como respostas.

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