São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O dilema agrícola

JOSÉ ELI DA VEIGA

Tão furiosas têm sido as investidas dos meios de comunicação contra a Frente Parlamentar da Agricultura, que o adjetivo "ruralista" já virou impropério. Mesmo jornais que nunca deixaram de defender os interesses dos "landlords" caboclos andaram publicando ultimamente editoriais nos quais a FPA é acusada de ``calote", ``sabotagem", ``fisiologismo", ``molecagem", ``extorsão" e ``chantagem".
Esse tratamento seria até adequado se dirigido ao punhado de grandes devedores, que têm como bandeira não saldar compromissos com bancos oficiais e tomar o máximo do Tesouro. Mas, será razoável para caracterizar uma frente parlamentar que conseguiu três quintos dos votos do Congresso (388 na Câmara e 43 no Senado) na derrubada de um veto presidencial?
Além de ingênua, essa visão de que a bancada ruralista não passaria de um agrupamento de espertalhões indica o grau de imaturidade das elites urbanas sobre o drama agroalimentar brasileiro. A sociedade está desfrutando o benefício de um longo período de barateamento alimentar.
Na primeira quadrissemana de maio, completaram-se 180 dias consecutivos nos quais a variação do custo da alimentação foi inferior à variação do custo de vida. Trata-se de um fenômeno que há muito tempo não ocorria no Brasil e que é extremamente favorável à melhoria da distribuição de renda.
Em contrapartida, os agricultores -principalmente os produtores de grãos- estão pagando a conta. A combinação de uma safra recorde com muitas importações empurrou os preços ribanceira abaixo. Estimativas da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) do Rio Grande do Sul, divulgadas no início de maio, indicavam um prejuízo recorde para aquele Estado, da ordem de R$ 1,046 bilhão. Esta seria a diferença entre os custos das safras de arroz, milho e soja e seus preços médios no dia 28 de abril: arroz a R$ 7,51/saca, milho a R$ 5,21/saca e soja a R$ 8,14/saca. O ``rombo" diminuiria para R$ 350 milhões se as referências fossem os preços mínimos.
Não poderia haver melhor exemplo do problema econômico que gerou a política agrícola dos países do Primeiro Mundo. Foi justamente a necessidade de compatibilizar a redução dos preços alimentares ao consumidor com a garantia de um aceitável nível de vida para os agricultores que deu sentido a esse padrão protetor de intervenção baseado na sustentação de preços.
Se o governo tivesse como garantir a comercialização da safra por preços próximos dos custos de produção, os protestos sobre o uso da TR nos financiamentos poderiam ficar circunscritos a um grupelho de oportunistas.
No entanto, a injustiça de pagar altíssimos juros e vender por preços muito abaixo dos custos de produção faz com que milhões de agricultores respaldem os excessos dos 140 integrantes da FPA comandados pelos deputados Marquezelli (PTB-SP), Biehl (PPR-SC), Lupion (PFL-PR), Colatto (PMDB-SC), Anízio (PP-MG) e Queiroz (PDT-PA).
Os malabarismos que o ministro Andrade Vieira está tentando fazer -que incluem a prorrogação de débitos vencidos, o adiamento do devido ao Finame, a generalização da equivalência-produto, além da idéia de reeditar o IPMF- serão meros paliativos.
Uma solução de fundo só poderá vir da adoção de uma política agrícola coerente, na qual os estímulos à expansão da produção sejam contrabalançados por garantias de renda aos agricultores. E uma política agrícola desse tipo envolve aspectos estruturais que estarão longe de ser lembrados numa estreita disputa sobre a taxa de juros.
O presidente Fernando Henrique Cardoso sabe que não se livrará das armadilhas da bancada ruralista enquanto não conseguir a completa reformulação da política agrícola. Tanto é que exigiu a apresentação de um ``programa de fortalecimento da agricultura familiar" até o final de junho.
Se as linhas gerais desse programa se aproximarem das que foram recentemente sugeridas pelo documento da FAO ``Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável" (novembro de 1994), será um sinal inequívoco de amadurecimento político da sociedade brasileira.

Texto Anterior: Qualidade no ensino será tema de palestra
Próximo Texto: Uma franquia para cada ministro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.