São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Falta tensão e drama ao filme de Ivory

AMIR LABAKI
DO ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O padrão aristocrático de cinema de James Ivory ataca Cannes outra vez. ``Jefferson in Paris" recebeu fortes aplausos na sessão de imprensa de anteontem. Nada que surpreenda: parte se rendeu à francofilia, parte ao academicismo.
O novo filme do trio James Ivory-Ismail Merchant-Ruth Prawer Jhabvala, respectivamente diretor, produtor e roteirista, juntos há três décadas, tem quase tudo que se espera de uma produção com sua grife: cenografia e vestuário de época impecáveis, estrelas bem-comportadas (Nick Nolte e Greta Scacchi), cadência lenta, emoções contidas e subtexto reacionário. Mas falta aquele diferencial que tornava ``Howards End" (1992) monótono e ``Os Vestígios do Dia" (1993), quase hipnótico.
A receita começou a desandar já no roteiro. O filme limita-se a reconstituir a vida privada do terceiro presidente dos EUA, Thomas Jefferson, durante os cinco marcantes anos (1784-1789) que passou como embaixador americano na Paris do agônico Antigo Regime. A compreensiva opção por mostrar o aspecto menos conhecido da biografia de Jefferson, focalizando-o mais em seu quarto do que na cena pública, acabou por roubar do filme a tensão principal.
A presença de um dos autores da Declaração da Independência dos EUA na antevéspera da Revolução Francesa é eclipsada em favor das não muito complicadas ou emocionantes histórias amorosas de Jefferson.
Viúvo, Jefferson chega à França com sua filha adolescente e acaba envolvendo-se timidamente com uma bela pintora casada, Maria Cosway (Greta Scacchi), e logo depois com uma das escravas que traz dos EUA, Sally (Thandie Newton), que vai lhe dar seis filhos.
O articulado e carismático líder americano, um legítimo iluminista do século 18, desaparece frente a hesitações sentimentais e problemas domésticos. Sempre é bom entrever o homem por trás do mito, mas o tedioso retrato que Ivory apresenta parece ocultar menos que revelar o verdadeiro Jefferson. O futuro presidente americano (1801-1808) surge quase que reduzido a um simples ianque na corte de Luís 16.
Em ``Jefferson in Paris" sobram retoques de peruca, lições de etiqueta e jogos de salão. Falta, numa palavra, drama. As relações de Jefferson com os revolucionários franceses, por exemplo, restrigem-se a encontros sociais com Lafayette (Lambert Wilson).
Os eventos marcados pela queda da Bastilha surgem em rápidos flashes, explodindo na tela de Ivory motivados tanto pela miséria generalizada como pela crueldade popular. Até Luís 16 ressurge com rara dignidade cinematográfica, na pele do grande Michael Lonsdale. O perfil de um democrata celebra, paradoxalmente, o discreto charme da realeza -corrupta e canalha, mas realeza.
Nunca foi tão explícito que o conservadorismo de James Ivory não se limita ao campo fílmico.

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