São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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"O Cinema das Lágrimas" fracassa

Filme celebra melodrama da AL

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

É melhor reconhecer de pronto: ``O Cinema das Lágrimas" de Nélson Pereira dos Santos, exibido em Cannes na última sexta, é um fracasso. Há muitas maneiras de explicá-lo.
Primeiro: o projeto. Sustenta-se mal a idéia de resumir numa homenagem aos melodramas dos anos 30 a 50 a revisão de cem anos do cinema latino-americano, encomendada pelo British Film Institute ao diretor de ``Vidas Secas" (1963). De cara, Nélson Pereira assumiu uma vereda estreita, quase monopolizada pela produção mexicana e argentina.
A argumentação do cineasta de que se tratou de um raro momento industrial e popular dessas cinematografias já era polêmica. Sua afirmação de que ``não seria possível resumir o cinema do continente em forma de documentário" é uma meia-verdade. A vasta história do cinema americano merece uma belíssima revisita de Martin Scorsese na mesma série.
Mas assumamos a escolha como fato consumado. Seria no mínimo curioso assistir à mea-culpa de um diretor importante da geração que marcou exatamente a ruptura com aquela tradição (a dos cinemas novos de Birri e Solanas na Argentina, Gutiérrez Alea e García Espinosa em Cuba, Sanjínes na Bolívia, de Glauber e tantos outros no Brasil). Ainda mais interessante parecia o plano por ser realizado em ficção.
Então, segundo: o filme. Um ator de teatro (Raul Cortez) em crise pessoal e profissional convida um jovem estudante de cinema (André Barros) a ajudá-lo numa pesquisa sobre melodramas latino-americanos.
Começam num dos arquivos brasileiros (MAM-RJ) e vão se aprofundar na cinemateca da Universidade Nacional e Autônoma do México (Unam). Motivo real: o ator quer descobrir qual foi o filme visto por sua mãe na noite em que se suicidou. Nova trama melodramática se sobrepõe: o especialista evita misteriosamente os avanços de seu patrão. O final é, claro, trágico. A trama amarra trechos de 17 filmes produzidos na América Latina entre 1933 e 1964.
Já de saída, o argumento simplista não pára em pé. Para descobrir que filme mudou sua vida, bastaria ao nosso ator fazer um bom levantamento nos jornais da época. Mas o óbvio escapa. A relação entre os dois personagens não se estabelece. Os diálogos são primitivos.
Pior: o coração do filme -a montagem dos fragmentos dos filmes- é construído de maneira preguiçosa. Não há articulação e ritmo. Tortura maior: de tempos em tempos, o ``especialista" declama texto pseudoteórico sobre o melodrama, extraído do livro de Silvia Oroz.
``O Cinema das Lágrimas" avança tropegamente entre um drama que não se estabelece e pedaços de filmes que não se concatenam. São 14 extratos mexicanos, dois argentinos e um brasileiro (de ``Deus e o Diabo na Terra do Sol", 1964).
O filme foi recebido friamente. Um especialista mexicano em melodramas, o crítico Leonardo Garcia Tsao (``El Excelsior"), expõe suas imensas restrições ao filme num artigo que a edição diária da ``Variety" em Cannes publica neste início de semana. O filme não está à altura da obra de Nélson Pereira dos Santos, da história do cinema na América Latina, da série em que insere, do festival em que foi lançado. Diabos: perdeu-se mais uma chance de ouro. Assim fica difícil mesmo.

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