São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Restauração elimina fezes de pássaros

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DO ENVIADO A PETRÓPOLIS

O trabalho de restauração da obra de Bispo do Rosário teve momentos tensos. Aconteceu em três semanas no ateliê Maçaranduba, em Petrópolis (RJ).
A pequena empresa foi fundada há seis meses pelos especialistas em restauração Cláudia Nunes, 34, e Richard Trucco. Para o trabalho, a Bienal ia pagar R$ 6.000.
Quando os especialistas receberam as peças, perceberam a extensão da tragédia. Com o tempo se deram conta da escassez do dinheiro. Este não cobria a higienização das 40 faixas de misses, uma das obsessões do artista.
Até uma semana atrás, elas corriam o risco de serem exibidas imundas em Veneza. Faltavam R$ 2.000 para a conclusão do processo. A quantia foi paga na última hora pela Bienal, depois de um telefonema de protesto de Denise Corrêa. As faixas viajaram limpas.
``A situação das obras era lamentável", diz Richard, um norte-americano especialista em química. ``Quando as examinamos, estavam cobertas de fezes de pássaros, rasgadas, empoeiradas e destruídas. A faixa de miss São Paulo estava comida por baratas. Havia vestígios de cupins em muitos objetos. Mas os insetos já tinham ido embora. Eles precisam de muita privacidade para atuar."
Cláudia ajudou a selecionar as peças e visitou o museu. Ficou horrorizada: ``Aquele salão não tinha janelas há até bem pouco tempo", conta. ``As obras foram fustigadas pelo vento e a umidade."
Tudo isso levou a dupla a infringir dois dogmas da restauração: o da reversibilidade e o da não-intervenção. Uma obra, explica Trucco, deve ser recuperada de forma a que se possa reverter o processo ao estágio anterior: ``Isso foi impossível porque tivemos que colar as vitrines e elas nunca voltarão a ser como eram".
Uma peça, reza o dogma, não pode ter interferência de materiais estranhos a ela. Mas as de Bispo pediram cola e reforços invisíveis.
``Restauração em arte contemporânea é uma disciplina nova e sobre isso ainda não há uma ética sedimentada", diz Trucco. ``Com Bispo, aprendemos que é mais importante preservar o conceito do que o material."
A incompatibilidade dos materiais usados pelo artista apresentou outros problemas. Os restauradores se surpreenderam envelhecendo canetas Bic, bonecos plásticos e garrafas descartáveis. A espuma da vitrine ``Macumba" teve de ser trocada. ``Nos sentimos como enfermeiros num pronto-socorro", diz Trucco.
(LAG)

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