São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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A crise da agricultura tem responsáveis

OLÍVIO DUTRA

Dois recordes de safra, o gaúcho e o brasileiro, não foram suficientes para amenizar a crise da nossa agricultura. A colheita nacional de 82 milhões de toneladas representa um crescimento de 8% em relação a 1994. A colheita gaúcha de 17 milhões de toneladas representa um salto muito maior: 15%.
No entanto, o que se lê, se ouve e se vê são protestos de produtores, manifestações de rua e denúncias de uma crise profunda e depressão. O hectare, que valia US$ 1.500, atualmente está sendo oferecido a US$ 400. Numa frase: a primeira safra do Plano Real dá motivos de preocupações e não de euforia. Quem buscar as causas justamente no Plano Real e em sua ideologia geradora não estará se distanciando da verdade.
Sabe-se que o preço sempre cai em grandes safras. Justamente para garantir uma renda básica para a sobrevivência dos agricultores -principalmente os pequenos e médios- é que existe a política de preços mínimos. Aqui já temos o primeiro problema nascido no governo federal.
Não há liberações em volume suficiente para os Empréstimos do Governo Federal (EGF) e para as Aquisições do Governo Federal (AGF). São operações financeiras que possibilitam o pagamento dos preços mínimos. Como isso não acontece, os agricultores estão recebendo R$ 7,50 pela saca do arroz, quando o mínimo é R$ 10,20; e R$ 5,20 pela de milho, quando o mínimo é R$ 6,32.
Mas a razão principal que está por trás desta prática é a mesma que determinou a crise do calçado gaúcho, tema debatido pelo PT num seminário em Novo Hamburgo nos primeiros dias de março.
O governo federal adotou a política social e econômica denominada neoliberalismo que abre as fronteiras às importações. Além do déficit na balança comercial, a consequência é que o Brasil tem, hoje, estocado, 11 milhões de grãos importados, ocupando espaço da safra nacional. Para se ter uma idéia do desrespeito desta política com a nossa produção, o país recebe, em plena safra nacional, arroz da Tailândia, pagando os mesmos R$ 7,50 pagos ao nosso arroz. A política definida para o trigo é desestimulante e prevê-se uma redução à metade da área plantada.
Enquanto isso, toneladas de grãos apodrecem, diminui o consumo, continuam os baixos salários e a subalimentação, aumenta o desemprego e a quantidade de miseráveis. E não se diga que os que estão no governo nunca estiveram no Ministério da Agricultura.
O discurso eleitoral da prioridade agrícola era apenas uma frase de efeito para justificar a marca dos cinco dedos. O neoliberalismo é assim: começa entregando os anéis ao capital especulativo e depois vão-se os dedos.
Mas é possível ainda consertar o mal. Agir enfrentando a cartilha neoliberal. Nosso partido defende a liberação de recursos para os EGFs, assegurando os preços mínimos; a equivalência entre a correção do crédito agrícola e os preços mínimos; o restabelecimento da proteção à agricultura (como conseguiu a indústria automobilística); o estímulo e o apoio à organização dos pequenos entre os pequenos-pequenos e médios produtores rurais, micro, pequenos e médios empresários urbanos.
O governador do Rio Grande do Sul tem papel importante nesta briga. Um deles é usar sua propagandeada amizade com FHC para buscar uma solução. Pode, também, colocar a estrutura dos armazéns da Cesa para socorrer os pequenos produtores, a fim de evitar venda de terras para quitar dívidas de safra com o Banco do Brasil.
Mais uma: negociar a dívida dos agricultores que tomaram empréstimo do Feaper (que trata dos condomínios rurais) e troca-troca; direcionar os 25% da exigibilidade bancária do sistema financeiro público estadual para a política agrícola (geração de tecnologia apropriada à pequena propriedade, seguro agrícola etc.) e os 5% previstos no art. 183 da Constituição Estadual para o Funterra.
A agricultura -como as políticas agrícola e agrária- é vital para qualquer projeto sincero de desenvolvimento e independência de uma nação. O Estado do ``laissez-faire", que agora se transveste de neoliberalismo, não garante condições mínimas de sobrevivência aos agricultores e, com isso, joga a nação nas mãos da produção alimentar de outras terras. Uma nação que não produz seus próprios alimentos básicos, dificilmente conseguirá dar condições dignas de vida aos seus cidadãos.

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