São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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A atualidade de José Martí

FLORESTAN FERNANDES

Acaba de realizar-se em Santiago de Cuba, entre 15 e 19 de maio, a conferência internacional ``José Martí e os desafios do século 21". Os organizadores esgotaram extensa pauta, segundo a ótica de uma abordagem interdisciplinar, na tentativa de desvendar os temas, repercussões e implicações de sua obra, em vasto leque de problemas da América Latina e do mundo.
O que se buscou não foi só a transcendência e a ``modernidade" do pensamento de Martí. Pretendeu-se situar concretamente como suas idéias alcançaram, de uma forma ou de outra, ``os principais desafios -velhos e novos- enfrentados pelo mundo atual às portas do próximo século; os grandes problemas que se levantam ante o bem-estar e a sobrevivência do homem e do planeta e, ainda, as interrogações, considerações e propostas que, em relação com elas, acarretam o legado do insigne intelectual revolucionário cubano".
Empreendimento ousado, mas necessário e positivo, articulou três temas centrais, desdobrados com rigor e perícia em painéis e exposições complementares -``Alternativas diante de um mundo em mudança", ``Identidade, cultura e globalização" e ``Realidade e utopia em nossa América"- sempre através do fio condutor de Martí.
Enfocaram-se, assim, novas perspectivas de sua elaboração literária, filosófica, política e histórica, em projeções que desembocam no presente e no futuro próximo de Cuba e das Américas, na emergência do capitalismo oligopolista ``globalizado".
Penso que o encontro deveria ter se estendido para privilegiar a análise da revolução cubana, a qual Martí sacrificou tudo, inclusive a vida. Os países do nosso continente e as nações imperialistas desconhecem as raízes e a natureza da revolução nacionalista-libertária de Cuba. Por que a guerrilha encontrou nesse país o solo de uma fermentação que transbordou os limites previstos por seus agentes mais ardorosos? A revolução cubana engatou, de fato, no seu devir histórico, nacionalismo e socialismo revolucionários? Por que o ``bordel dos norte-americanos" dobrou Tio Sam nos embates diplomático, geopolítico e militar, proclamando uma autonomia singular no contexto da América Latina?
José Martí não era um socialista militante nem um marxista em busca da liberação dos trabalhadores. Humanista e combatente intrépido, via a revolução como uma necessidade preliminar da derrota da opressão oligárquica e da conquista da Independência total. Diante do ``monstro" em que se tornaram os EUA, e apesar do passado colonial cubano e do êxito de sua rebelião antimetrópole, impunha-se a igualdade das nações pobres e ricas.
A revolução foi, portanto, encarada por ele como um processo contínuo e envolvente, que culmina no aperfeiçoamento progressivo do homem e da sociedade. Esse é o nexo profundo com Cuba de nossos dias. Nela, Martí converteu-se no ``apóstolo" que simboliza a grandeza histórica e a vocação criadora de um povo intrépido e inventivo.

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