São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 1995
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Cidade maluca

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO - O cotidiano do Rio de Janeiro tem certas facetas que, contando, ninguém acredita. São aspectos mais ou menos importantes para a vida da cidade, todos eles necessários ao exercício da cidadania e que, principalmente por dependerem do poder público, foram deixados para lá, caíram em desuso, ninguém lembra que existem.
Por isso a leitura dos jornais locais pode virar um exercício de surpresa e espanto.
Senão, vejamos alguns destaques dos últimos dias: ``Polícia vai para a rua", ``Guardas cuidarão do trânsito", ``Quem não obedecer à sinalização será multado", ``Carros sairão das calçadas".
O cidadão que estiver chegando agora na cidade e se deparar com esse tipo de noticiário certamente pensará que o jornalista pirou. Logo, logo, no entanto, verá que a piração está noutro canto. Ou em todos os cantos.
A polícia ir para a rua é sua função precípua, certo? Errado, pelo menos na maior parte do tempo, na maior parte das ruas, na maior parte dos bairros dessa cidade.
Não há policiamento preventivo, não há o chamado patrulhamento para evitar o crime. Há, sim, a ação em geral questionável da polícia diante do crime já realizado. Nesse caso, a atuação policial é nacionalmente conhecida. Quem não se recorda dos policiais atirando contra os assaltantes dominados diante de um shopping?
Bem, agora fala-se que a guarda municipal vai cuidar do trânsito. Enfim alguém vai tentar fazer isso, porque o deus-dará impera faz tempo. Faixa de pedestre virou decoração, e sinal vermelho é igual a iluminação de Natal: vê-se de passagem.
Quanto aos carros na calçada, bem, isso deveria ser, antes de incômodo, de aporrinhação e risco para os pedestres, motivo de orgulho. Afinal, alguém conhece alguma cidade no mundo em que os carros são estacionados sobre as calçadas?
Se algum gaiato quiser inscrever a cidade no livro Guiness dos recordes, consegue fácil: Rio de Janeiro é a cidade do mundo que tem mais carros que pedestres nas calçadas!
Apesar da avacalhação, se as notícias acima se confirmassem, já seria um avanço.
Quem sabe em breve poderemos ficar sabendo que ``carioca já pode ir à praia sem brigar com a poluição", que ``favelados ocupam as favelas" ou, enfim, que ``cidadão já pode usar a cidade"?

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