São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Leia íntegra do programa de FHC

Eu hoje vou falar sobre o futuro do Brasil. Eu vou falar das crianças que lutam todos os dias pela própria sobrevivência: os meninos e as meninas de rua.
Não dá mais para cruzar os braços diante de tudo isso que nós vemos. A gente tem até uma sensação de impotência. Nós sabemos que não é só falta de dinheiro que joga uma criança na rua. A violência dentro de casa também joga a criança na rua.
Não se sabe, nem o governo nem a sociedade, ao certo mesmo, quantos vivem na rua. É verdade que não se sabe. E nós não sabemos porque é difícil fazer essa contagem. Eu conheço alguns levantamentos que mostram, por exemplo, no Rio de Janeiro, cerca de 2.000, na Bahia, São Paulo, menos de 1.000. Mas não se sabe muito bem disso.
Para começar, as regiões do país são muito diferentes. Por exemplo: a gente faz uma contagem no Rio Grande do Sul durante o inverno e dá um número menor, porque as crianças saem da rua. No verão, aumentam.
Então é preciso definir o número das crianças na rua. Mas, para poder definir o número, é preciso saber o que é menino de rua. Aquele que vive na rua, não tem família é menino de rua? É aquele que busca na rua o ganha-pão, mas depois volta para casa? É o que tem casa, vai à escola, mas anda perambulando na rua para pegar algum dinheirinho?
É preciso dar uma resposta mais clara, mais concreta para que possamos, juntos, trabalhar melhor para resolver essa questão, para fazer justiça e para tratar a criança como uma pessoa que tem direitos. O fato de estar na rua não diminui nem os direitos dela e nem o fato de que ela é uma criança. Até o fim do ano, nós vamos fazer um levantamento sobre o número de crianças que vivem na rua e sobre os programas sociais que estão sendo desenvolvidos com essas crianças.
Ainda no fim deste mês, o Ministério da justiça vai definir, com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, os critérios para distribuição do dinheiro do Fundo Nacional da Criança e do Adolescente. Esse conselho não é do governo. Tem gente do governo, mas ele também tem representantes da sociedade.
Mas não se resolve os problemas de menino de rua só com dinheiro. É preciso ter uma política. Essa politica está sendo discutida no Ministério da Justiça, e há muitas idéias. Por exemplo: levar a criança que tem família de volta para casa e, se for preciso, até dar um dinheirinho para a família. Neste caso, é preciso ter técnicos para acompanhar as crianças, para saber mesmo se estão sendo bem tratados em casa, se estão frequentando escola. A saída para o menino que não tem família é o lar substituto, ou então a criação de uma espécie de albergue. A experiência de albergue, até com portas abertas: fica quando quer, sai quando quer. Porque é todo um jeito de se viver que foi se desenvolvendo e que é difícil de controlar, e, muitas vezes, não adianta impor. Os meninos poderiam passar a noite nesse albergue. Eles teriam aí padrinhos -pessoas ou empresas que dariam dinheiro e acompanhariam o desenvolvimento desses meninos.
E nós precisamos cuidar da defesa dos direitos dos meninos e meninas de rua. A criança que não respeita a lei, assalta ou mata, tem que ter um tratamento diferente. Não pode ficar confinada junto com outras 200, 300 crianças, muitas vezes mais velhas e envolvidas em atos mais graves. Estes, que estão envolvidos nesses atos, não podem se misturar com os que são apenas crianças de rua e nem podem ser vigiados por pessoas despreparadas.
Então nós vamos ter que criar pequenos estabelecimentos, para recuperar as crianças infratoras e treinar pessoas para cuidar delas. Não adianta mais fazer enormes albergues ou quase penitenciárias para crianças. Não é isso. Tem que ter uma coisa de um tamanho mais humano. Além disto, nós vamos estudar a criação de um serviço nacional de proteção às testemunhas. Porque, hoje, os meninos de rua têm medo de denunciar porque sofrem maus tratos e podem até morrer.
Eu hoje estou falando, o tempo todo, em idéias e propostas em estudo, porque eu quero discutir tudo com a sociedade, com as entidades que já trabalham com os meninos de rua. Entidades como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que atuam em 24 estados, como o Projeto Axé, em Salvador, que ensina às crianças de rua uma profissão, como as Pastorais do Menor. Enfim, todas as entidades que ajudam a tornar mais humana a vida dessas crianças.
Nós precisamos trabalhar juntos, governo e sociedade. Quando se trata de cuidar de crianças abandonadas, precisamos esquecer as diferenças políticas e religiosas e trabalhar juntos. O futuro dessas crianças, e do Brasil, depende do nosso trabalho em comum.

Texto Anterior: FHC quer dar `um dinheirinho' a menor
Próximo Texto: FHC vai reduzir frequência de viagens
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.