São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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Recessão escorchante

JANIO DE FREITAS

Escolha a sua hipótese, mas, se ficar com a segunda, é melhor não apostar: ou a recessão vem brava, e o governo está dizendo inverdades para conter os protestos empresariais, ou os ministros-economistas abandonaram, sem o dizer, uma de suas teses mais persistentes sobre os modos de impedir a volta da inflação.
De Washington, o ministro Pedro Malan manda uma mensagem de paz: ``Os juros vão começar a cair já em junho", não havendo razão, portanto, para o temor de recessão e quebradeira geral. A má situação, diz ele, é só das empresas que não planejaram bem suas operações financeiras. Sem mencionar prazo, o ministro José Serra também diz que a altitude dos juros e seu reflexo sobre a economia empresarial terão pouca duração.
Intelectual, o presidente Fernando Henrique não perdeu a oportunidade de complicar intelectualmente: ``Essas taxas de juros escorchantes, nenhum de nós subscreve como se fosse mecanismo para solucionar crises, mas apenas como questões emergenciais". Ficou devendo, para que se possa um dia entender plenamente sua frase, como e de onde concluiu que crise e questão emergencial não têm sentidos equivalentes, já que a segunda é também conhecida como questão crítica ou situação crítica. Na emergência, deduzamos que os ``juros escorchantes" e seus efeitos arrochantes cessarão tão logo detenham a crise consumista, que faz o ``consumo crescer 20% de um mês para o outro.
Acontece que os ministros-economistas sempre defenderam a tese de que o crescimento econômico do país, neste ano, não pode ultrapassar os 5%, sob pena de volta da inflação. E, segundo o dado oficial, o crescimento nos primeiros quatro meses foi acima de 10%. Logo, nos dois restantes quadrimestres o crescimento não poderia ultrapassar, na média aritmética, 2,5% em cada um.
A queda da atividade econômica, necessária para limitar o crescimento anual a 5%, é enorme. Um precipício econômico. Só alcançável a poder de uma recessão daquelas. Se não for neste rumo que os ministros-economistas nos conduzem, trata-se agora de descobrir o rumo dado à sua tese de crescimento máximo de 5% no ano.
Para quem não é economista nem sociólogo, ter menos certezas e mais dúvidas nunca é demais. Pode-se então desconfiar do crescimento mensal de 20% no consumo, citado por Fernando Henrique, porque não se encontra correspondência para esse número nem nos salários, nem na redução da poupança. E desconfiar, ainda, do crescimento acima de 10% nos primeiros quatro meses. Não seria a primeira vez, como não seria a última, que presidente e ministros-economistas divulgariam taxas de crescimento para, depois, dá-las como equivocadas. A ser assim, mais uma vez, os números altos estariam servindo para justificar medidas que o governo tem tomado, como os ``juros escorchantes", ou quer tomar ainda mais. Possibilidade, esta, que não contradiz a perspectiva de recessão: contradiz os números, mas o uso deles teria finalidade exatamente recessionista.
Como se vê, só há uma aposta para não perder. Ou melhor, para só perder aquilo que a recessão vai levar.

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