São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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Dom Lucas e o sinal dos tempos

MATEUS SOARES DE AZEVEDO

A eleição de dom Lucas Moreira Neves à presidência da CNBB tem uma significação mais profunda do que se poderia crer à primeira vista. Deve, também, ser situada num quadro de maior amplitude. Trata-se de mais uma peça que se encaixa em um extenso panorama de transformação das mentalidades. Idéias até ontem dominantes hoje refluem a segundo plano. Visões de mundo na defensiva desde a década de 1960 hoje começam a voltar ao centro da cena.
O caso da Igreja Católica no Brasil é uma peça-chave neste quadro. Nas três últimas décadas, assistiu-se à ascensão, domínio e finalmente decadência de visões relativistas, comunizantes e permissivistas, que tomaram de assalto Roma e todo o Ocidente. O epicentro de toda a transformação foi o Concílio Vaticano 2º (1962-65).
A religião foi sendo expulsa das consciências pela dessacralização e trivialização da vida; particularmente entre as camadas mais humildes, o catolicismo foi sendo suplantado por seitas fundamentalistas e carismáticas. O cristianismo tradicional foi perdendo sua substância, em razão da substituição de um rito revelado por um ritual fabricado para adaptar (``aggionarmento") a religião às modas ideológicas e emocionais do momento.
Passado esse momento específico, a adaptação em questão perdeu sua razão de ser. A hierarquia católica relegou a segundo plano as grandes questões metafísicas que moldam a existência -breve existência- do homem sobre a Terra.
No campo da cultura e das artes, reflexo da esfera espiritual, ocorreram transformações similares. Nas artes auditivas, aquilo que se poderia denominar ``ruído" abafou a música; esta, não sem razão, passou a ser chamada de ``som". Nas artes plásticas, a noção mesma de beleza foi atacada. Na filosofia, o relativismo e a ininteligibilidade se impuseram.
No campo dos costumes, assistiu-se, perplexamente, à invasão da pornografia, das drogas e da violência gratuita. Na esfera da opção política, o domínio entre as camadas autodenominadas esclarecidas, que influenciam o restante da população, foi do esquerdismo em suas variadas feições.
Uma autêntica onda sísmica mental, impossível de ser detida pela razão, atuou. Hoje, esse ``terremoto", que acompanharia a ``marcha inelutável da história", para usar o jargão marxista, mostra sinais claros de debilitamento.
Essa ``weltanchauung" começou a ter curso livre e generalizado no Ocidente graças em certa medida ao Vaticano 2º (o concílio encerrou-se em 1965, e foi a partir daí que aumentou o ``desbunde"). Ela só será superada claramente onde começou, no centro. Como o centro fundamental das coisas é o espiritual -e como o catolicismo representa esse centro para a humanidade ocidental-, é de Roma que deve vir a palavra final.
Seja como for, para o Brasil já constitui um singular sinal dos tempos que um homem como dom Lucas tenha sido escolhido para comandar a principal corrente espiritual e religiosa do país.

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