São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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Maioria das agressões a crianças é feita por pais

ANTONIO ROCHA FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pai e mãe são os principais autores de violência contra crianças e adolescentes até os 18 anos em São Paulo.
Essa é uma das conclusões de uma pesquisa coordenada pelo cientista político Edson Passetti, que analisou 2.078 dos 3.080 processos abertos pelo (SAC) Serviço de Advocacia da Criança -ligado à Ordem dos Advogados do Brasil- nos anos de 88, 91 e 92.
Passetti, 43, professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, teve ajuda de seis pesquisadores.
O trabalho foi realizado entre agosto de 93 e março de 94. O relatório final foi transformado no livro ``Violentados - Crianças, Adolescentes e Justiça", lançado ontem em São Paulo.
As agressões físicas (incluindo espancamento e negligência) são responsáveis por 75% das denúncias ao SAC. Em seguida vêm a violência sexual (13% do total).
Ao ``preferir" agredir as filhas, a mãe estaria ``reproduzindo o modelo machista da sociedade", na opinião do pesquisador.
No caso dos meninos, a situação se inverte. O pai é o agressor em 32% dos casos, a mãe agride em 29% e os dois juntos, em 5%.
A família responde por 62% dos casos de violência sexual. Desse total, 59% são praticados pelo pai e 25% pelo padrasto. As meninas são as maiores vítimas -83% contra 17% de meninos.
Segundo Passetti, a pesquisa leva a algumas conclusões que derrubam crenças em relação à violência contra a criança. ``A violência não acontece só em famílias pobres", afirma o pesquisador.
Ele cita o caso de um empresário (ele não revela o nome) que mantinha a filha de 10 anos presa em um quarto porque ``queria que a menina tirasse as melhores notas na escola, tocasse piano e dançasse perfeitamente, além de falar línguas estrangeiras".
Passetti vê a violência contra a criança como um circuito. ``Muitas crianças vítimas de violência se tornam pais violentadores."
As consequências de espancamentos pelos próprios pais, em especial nos três primeiros anos de vida (faixa em que se concentram 32% das denúncias), são devastadoras, diz Passetti.
``Diminui a possibilidade de a criança se relacionar normalmente com outras pessoas no futuro."
Para o pesquisador, a situação de ``esgarçamento familiar" aparece em qualquer tipo de família, ``seja tradicional, com pai e mãe, seja quando há mãe e padrasto ou pai e madrasta".
Uma explicação para as agressões dos pais seria que as pessoas não sabem onde descarregar sua agressividade. ``Às vezes não há motivo para a violência."
O livro relata o caso de um pai que nunca havia batido nos filhos. Em uma reunião na escola, ele ficou sabendo que os filhos, de 9 e 10 anos, ``bagunçavam" muito.
Chegando em casa, amarrou os dois com uma corda, espancou-os com um cabo de vassoura, aqueceu uma colher e queimou o céu da boca de ambos.
A pesquisa também avaliou 755 processos sobre infrações de adolescentes internados na Febem de 90 a 93. Segundo Passetti, o estudo mostra que os infratores, na maioria das vezes, foram vítimas de violência na infância.
A pesquisa foi financiada pelo extinto Centro Brasileiro da Infância e da Juventude, com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil e da Procuradoria Geral do Estado.

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