São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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Não ao lobby do medo

MIGUEL JORGE

Num futuro próximo, as empresas brasileiras poderão enfrentar problemas que se acumulam (mas que poderiam ser eliminados ou muito reduzidos) se a nação não souber encaminhar as reformas econômicas e sociais, tão necessárias, sem ser envolvida pelo medo.
Falo do medo, quase pânico, que está sendo lançado às ruas por alguns sindicalistas, funcionários de estatais e setores políticos bem definidos, uns e outros, e todos muito corporativistas. Da maneira como essas pressões têm sido conduzidas, certamente para que se impeça a perda de privilégios e vantagens espúrias, elas podem atrasar ou mutilar as reformas.
Ora, apesar dos aparelhos de deformação da verdade, que são muitos, o país tem hoje uma liderança mais firme para esse esforço de mudança e, como se vê em várias pesquisas de opinião, há uma consciência nacional majoritária de que é preciso implementar essas reformas.
Vivemos um momento crucial para que se resolva de vez, via emendas constitucionais, os problemas mais agudos a emperrar nosso desenvolvimento econômico, inspirando assim mais segurança aos investidores externos e mais tranquilidade e progresso para o cidadão brasileiro.
A expectativa de mudanças e a certeza de que a nação vai fazê-las é que criou a confiança das montadoras para anunciar investimentos superiores a US$ 12 bilhões (US$ 2,5 milhões só da Volkswagen) nos próximos cinco anos. Essa decisão é prova clara da inter-relação entre o amadurecimento da economia -caso, no Brasil, do Plano Real- e a visão do futuro que se espera do Congresso na votação das reformas.
Sua aprovação se confunde com a modernização do país, que precisa de um salto em toda a sua infra-estrutura, num regime de parceria Estado-setor privado, se quisermos alcançar os grandes países.
O Estado brasileiro já não responde mais eficazmente aos desafios nacionais. Cabe ao Congresso e, sobretudo, à sociedade atuarem juntos por uma Constituição que abra os monopólios, desestatize os portos, reforme a Previdência e derrube impostos escorchantes sobre a produção.
Foi exatamente para isso que a população brasileira elegeu no primeiro turno um presidente que propunha exatamente esses pontos, derrotando um candidato que defendia o status quo.
Num mundo globalizado em quase todas as áreas, o Brasil precisa correr para acompanhar o que acontece nos outros países, que se modernizam, crescem, se abrem cada vez mais. Já se fez o principal, estabilização política e econômica -portanto, o que virá é decorrência natural desse processo.
Com meu vezo de citar o setor automotivo, uso-o de novo como exemplo, pois, mais que os outros, é o que mais centraliza investimentos, cria mercados, multiplica a produção por uma enorme cadeia de fornecedores e subfornecedores.
Portanto, poderá contribuir muito para ajudar o processo de mudanças, ao lado de outros setores industriais. Mas seu processo de crescimento não pode ser posto em xeque a cada momento por problemas estruturais do país.
E esses são problemas que todos conhecemos:
. Os governos federal e estaduais aliviam suas dificuldades financeiras gravando em excesso a produção, enquanto as maiores estatais do país são também as maiores devedoras nacionais de tributos.
No ano passado, além de não pagarem impostos, produziram déficit de US$ 6 bilhões, incluindo-se aí gordíssimas aposentadorias, gratificações por ``serviços", salários de ``risco" (alguns pagos a quem sempre trabalhou no centro do Rio e de Brasília, em luxuosos escritórios com ar condicionado) e outros privilégios, como 18 salários por ano. Hoje, as quatro maiores estatais brasileiras devem ao Tesouro Nacional US$ 9,8 bilhões em impostos e contribuições.
. As empresas nacionais instaladas no país, segundo pesquisa da Arthur Andersen, trabalham exatos seis meses e 22 dias por ano para o governo (!!!), porque mais da metade de seus lucros vai para o pagamento de impostos.
No cálculo, foram consideradas empresas de grande porte, com lucro mínimo de US$ 20 milhões. O Brasil tem uma alíquota de 48,18% de Imposto de Renda de pessoa jurídica, perdendo só para o Japão e para a Itália.
. O país tem um precário sistema de transporte e uma malha viária pessimamente conservada para transportar uma produção prevista de mais de 80 milhões de toneladas de grãos este ano e inimaginável para os quase 3 milhões de veículos do ano 2000.
A lei de reforma e modernização portuária, promulgada em fevereiro de 1993, completou dois anos e não foi implementada. Mas Santos e Rio, os dois maiores portos do país, estão cada vez mais caóticos e já atingiram o colapso (na recente greve dos portuários, mais de mil veículos a serem exportados por Santos ficaram mais de dez dias esperando embarque, sem nenhuma providência de qualquer autoridade).
. A infra-estrutura das cidades, inclusive São Paulo, onde se concentra a maior parte da renda nacional, funciona precariamente e é cada vez mais ineficiente, sem transportes, sem comunicações, sem higiene, sem água, sem moradia.
Por tudo isso, quem quiser um Brasil melhor, um Brasil que cresça, que crie mais empregos, que se abra para o mundo, que diga não ao ``lobby do medo".

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