São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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Hoffman domina tela da TV

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Por que personagens autistas, cegos, paralíticos em geral acabam sempre dando o Oscar de melhor ator a seus intérpretes?
Primeiro, porque são virtuoses, como o Dustin Hoffman de ``Rain Man" (Globo, 0h15). Mas também porque conseguem mobilizar uma vasta parcela de má consciência do espectador. Vemos o que (ou quem) não somos, mas que poderíamos ser.
É um gênero de mal que corresponde, nos tempos atuais, à pobreza em Charles Dickens: não nos atinge, mas sabemos que poderia atingir, ou que ainda poderá nos atingir. Fazemos um exercício de generosidade em relação ao outro, mas apenas na medida em que esse outro é nós mesmos.
Dustin Hoffman facilita esse tipo de exercício, já que sua interpretação é híbrida. Na tradição moderna, existe para servir o personagem. Mas, na melhor tradição antiquada, serve a si mesmo. No filme, não vemos um autista, mas Hoffman fazendo um autista.
Esse sistema Hoffman -derivado do Actor's Studio- acaba fornecendo aos filmes que interpreta um elemento de tranquilidade ao espectador: qualquer um poderia estar no lugar daquele homem (o autista, neste caso específico). Mas, antes daquele homem, daquela doença, o que vemos é Dustin Hoffman: um show muito particular, que não podemos dissociar da figura do ator.
Na verdade, esse efeito não é tanto culpa do ator. É o filme mesmo que se cerca de medidas de segurança, que trabalha menos no sentido de fazer conhecer alguma coisa do que de nos seduzir. Consegue, em parte. Mas essa parte é a que menos sobrevive num filme.
(IA)

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