São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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Cinema essencial de Depardon chega a SP

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Raymond Depardon, 53, um dos cineastas mais importantes e originais da França, nunca teve um filme seu exibido no Brasil. A Cinemateca Brasileira começa a reparar esse mal hoje, com uma retrospectiva de 16 filmes do diretor (leia programação ao lado).
Depardon começou como repórter fotográfico (fundou a agência Gamma, em 1967) e tornou-se cinedocumentarista nos anos 70.
Seu cinema se orientou cada vez mais para uma exploração da fronteira entre documentário e ficção.
Os temas recorrentes de Depardon são o deserto africano (tema de ``Tchad", de 76, e de ``La Captive du Désert", de 89, entre outros), os hospitais psiquiátricos (``Urgences", de 87, ``San Clemente", de 82), os personagens públicos (Jan Pallach, John Lennon, Giscard d'Estaing) e o próprio jornalismo (``Numéro Zéro", de 77, ``Reporters", de 80).
A julgar pelos filmes que abrem hoje a mostra, o cinema de Depardon é de um rigor absoluto no tratamento da imagem e do som.
Seu modo de narrar/mostrar foge totalmente à montagem narrativa convencional, baseada no mecanismo do campo/contracampo e na identificação do espectador com os personagens.
Depardon recusa igualmente o apelo a muletas narrativas extracinematográficas (música, narração em off etc.). Exerce um respeito absoluto à integridade da imagem. É no interior de cada enquadramento que toda a informação e todo o drama se desenvolvem.
No curta ``New York, NY" há apenas três planos: um que percorre da esquerda para a direita uma ponte em direção a Manhattan, ao entardecer; um plano fixo de uma esquina da cidade; e o plano simetricamente oposto ao primeiro, a câmera retornando diante da mesma ponte, já noite fechada.
``La Captive du Désert", o longa de hoje, é o único filme de Depardon que tem uma atriz conhecida, Sandrine Bonnaire. Ela é uma francesa tomada como prisioneira por guerrilheiros num país não-nomeado do Sahara (as filmagens foram feitas em Níger).
A narração, entretanto, não privilegia a atriz, nem força uma identificação do espectador com seu destino.
Todo narrado em planos fixos geralmente longos, ``La Captive du Désert" é uma ficção filmada como um documentário.
O enredo é reduzido ao mínimo: prisioneira é levada com pequena caravana, tenta fugir, é capturada.
Como num documentário etnográfico, vemos os nativos e a estrangeira em pequenas ocupações: lavando roupa, bebendo água, andando, cantando.
Não há música, não há comentário, há raros e lacônicos diálogos. À aridez da paisagem responde uma aridez da narração.
Com seu despojamento quase ascético, Depardon limpa os olhos do espectador de toda poluição visual e auditiva e funda uma ética da imagem. Para ele, como para Keats, beleza é verdade -e vice-versa.

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