São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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Que política monetária é essa?

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
O Instituto Atlântico acaba de publicar o seu caderno nº 6 (Política Monetária). Dele constam vários estudos muito interessantes. Um deles, intitulado ``Que política monetária é essa?", de autoria dos professores Ruben Almonacid, Luis Lopes e Samuel Pessoa, destaca-se por sua clareza, sua forma didática e sua serenidade analítica. Ele deveria ser objeto de meditação das nossas autoridades, porque mostra a contradição em que se meteram a partir da sobrevalorização do Real.
A retórica governamental nunca admite que a política de juro ``escorchante" objetiva, essencialmente, manter um fluxo de capital externo de curto prazo e, simultaneamente, reduzir o nível da atividade interna para cortar as importações, tornando financiável o déficit em conta corrente. Ela prefere insistir na tese de que o ``juro real elevado destina-se a cortar o consumo" e, assim, ``manter os preços sob controle", ignorando a tragédia produzida no setor privado e nas finanças públicas.
A retórica governamental toca na corda mais sensível da sociedade: a manutenção da relativa estabilidade de preços desde a introdução do Real. Quando se afirma que é para salvar o Real, que merece ser salvo, todos os sacrifícios são aceitáveis, mesmo os não necessários! Vamos assim caminhando alegremente para uma crise de liquidez, para um aumento do desemprego e para uma redução do nível de atividade muito superior à que seria preciso com uma política fiscal, monetária e cambial coerente.
O que o artigo de Almonacid, Lopes e Passos faz é desmontar cuidadosamente, ``sine ira et studio", a retórica governamental. Estudando os efeitos do juro real sobre a absorção doméstica, isto é, sobre a demanda agregada (consumo, investimento e gastos governamentais), ele conclui, corretamente na minha modesta opinião, que ``não há argumentos teóricos nem empíricos sólidos, por detrás da afirmação de que é necessário praticar taxas de juros reais elevadas para conter a demanda agregada e evitar uma aceleração indesejada das remarcações de preços" (pág. 15).
Mas o efeito dessa política pode determinar uma retração das curvas de oferta agregada de curto e longo prazos na economia. Dessa forma, ``pode-se ter então uma situação tal que a decisão do governo de `apertar' sua política monetária através da fixação de juros reais mais elevados para controlar a inflação acaba por produzir aceleração na velocidade de crescimento do nível geral de preços" (pág. 16).
O presidente tinha toda a razão quando disse, em Recife, que as atuais taxas de juro são ``escorchantes". Infelizmente os argumentos que usou para defendê-las são duvidosos. O erro da política econômica foi o de levar a uma situação em que não existe opção, a não ser aumentar exageradamente a taxa de juro, apesar das dificuldades de curto e longo prazos que ela produz. É essa política que precisa ser revista e não apenas o juro.
Uma alma caridosa bem que poderia fazer chegar à mesa do presidente o artigo que comentamos.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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