São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
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A insensatez armada

JANIO DE FREITAS
A INSENSATEZ ARMADA

As duas alegações oficiais para a ordem de ocupação militar das refinarias, dada pelo presidente Fernando Henrique, retomam a insensatez que conduziu o governo nas duas primeiras semanas da greve de petroleiros.
Diz a primeira que a medida se destina a ``preservar o patrimônio público". Proteger de quê e como? Uma pequena válvula, uma chavezinha, um botão entre milhares -qualquer deles, se manipulado impropriamente, poderia levar a efeitos terríveis. E nenhum militar ou oficial, com os olhos pela primeira vez perdidos na complexidade de uma refinaria, seria capaz de perceber a manipulação maldosa, se maldosa. Basta um soldado mais nervoso ou menos cuidadoso para explodir uma refinaria inteira, mas nem um batalhão inteiro seria capaz de protegê-la de um único técnico desatinado.
A segunda alegação é o suposto propósito de ``dar garantia aos que queiram voltar ao trabalho". Ou o propósito não existe, e a alegação é falsa, ou existe mas, outra vez, ninguém na Presidência refletiu sobre a maneira de realizá-lo. A haver obstrução aos que queiram voltar ao trabalho, se é que eles existem, é óbvio que isto acontece por bloqueio dos acessos às refinarias. Logo, ocupá-las é estultice. Os militares deveriam ficar fora das refinarias, e não dentro.
Gente armada em refinaria, seja soldado ou não, é uma temeridade. Mesmo que apenas acidental e ainda que para o alto, um tiro aí pode resultar em catástrofe. E, pelas probabilidades, de nada adianta a ocupação: petroleiro sensato não arrisca a vida em refinaria sob ocupação de gente armada. Em vez de atrair ao trabalho, a ocupação tende, pois, a mais afastar dele.
Não há notícia de bom resultado do uso de militares contra greves. Que Fernando Henrique prefira o esquecimento do que escreveu, vá lá, se o incomoda a comparação entre o que era e o que é. Mas que esqueça os fatos, ou não extraia deles as lições mais simples, é demais. Volta Redonda e seus três fuzilados datam de novembro de 88.
É dando
Até gerente de agência do Banco do Brasil foi mobilizado pelo governo para obter, com suas armas de praxe, que deputados recalcitrantes aderissem ao projeto governamental para as telecomunicações. Ora ofertando mimos, ora ameaças, o ministro Sérgio Motta equivaleu, sozinho, a toda a tropa de choque de Sarney na Constituinte. O que não quer dizer que outros mais, incluido o próprio presidente Fernando Henrique, não tenham participado da ofensiva. Muito ao contrário.
Nada como um governo íntegro, transparente, moralizante.
Os pontinhos
Se você não ouviu anteontem nos telejornais, provavelmente leu nos jornais de ontem que o presidente do Banco Central, Persio Arida, comunicou a queda dos juros, a primeira em dois meses, de 4,25% para 4,04%. Ou 0,21 pontinhos. Pois bem, nem isso foi verdadeiro.
Com a cabeça nas alturas, puxada pelos juros ou puxando-os, Arida usou de números que nada tinham com o que ele deveria dizer. A tal queda era, na verdade, de 4,76% para 4,65%. Ou 0,11 pontinhos -a metade da queda anunciada.
Mas as manchetes e os comentários favoráveis dos jornalistas oficiosos ficaram aí, saudando a iniciativa do governo para tranquilizar o empresariado queixoso com a altitude dos juros.

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