São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995 |
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Fórmula Um
MOACYR SCLIAR Tinha tudo para dar certo, cara. O sequestro tinha tudo para dar certo.A gente escolheu bem: a irmã do ex-prefeito, um homem que perdeu o mandato por abuso de poder econômico. Se os caras que usam o poder econômico já são ricos, imagina os que abusam. É muita grana, cara. Abuso de poder econômico é muita grana. Dá para pagar o resgate de umas dez irmãs. E primas, e cunhadas, e tias, o que você quiser. Planejamos tudo direitinho. Em primeiro lugar, arranjamos uma Kombi. Você dirá: mas vocês pretendiam sequestrar alguém com uma Kombi velha, um veículo que nem anda? Claro que não, cara. A Kombi era só para o nosso transporte até a casa. Para fugir, nós usaríamos o Tempra da vítima. Tempra é muito melhor do que Kombi. E tem mais conforto, mais acessórios, mais tudo. Agora: quem ia imaginar que a gente bateria com o Tempra? Pois batemos. E foi logo na saída da casa. Batemos no portão, cara. Um portão largo, que dava para passar sem problemas -mas batemos. E arrebentamos o Tempra. A sorte é que a família está bem de automóveis: justo naquele instante apareceu um primo da vítima, com um Tipo. Eu sempre achei que Tempra é melhor que Tipo, mas não dava para escolher. Saímos de Tipo. Logo depois batemos também. Isto mesmo: batemos com o Tipo. E daí em diante nada mais deu certo. A vítima começou a gritar e acabamos todos presos. Temos discutido muito sobre o acontecido. Cara inteligente é aquele que aprende com os seus próprios erros, e não há dúvida que cometemos um erro. Qual erro? Usar automóvel? Não. Sequestro que se preze não pode ser feito sem automóvel. Não dá para sequestrar alguém a pé, dá? Não. O nosso erro não foi este. O nosso erro foi não termos treinado melhor para dirigir. Mas já sabemos como corrigir esse erro. No próximo sequestro, não vamos procurar irmã de ex-prefeito, por mais poder econômico que tenha. Nós vamos sequestrar o dono de uma escola de motoristas. E nem vamos exigir resgate. Vamos querer, isso sim, que ele nos transforme em ases do volante, como esses que a gente vê em filme. Enquanto ele não nos colocar em condições de disputar qualquer Fórmula Um, não sai do cativeiro. E não adianta gritar. Texto Anterior: Aids atinge 25% dos detentos em prisão mineira Próximo Texto: A destruição do Sistema Único de Saúde Índice |
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