São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
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A destruição do Sistema Único de Saúde

GILSON CARVALHO

Um fantasma quer destruir o Sistema Único de Saúde. Está no Congresso Nacional a proposta do Executivo para a reforma da Seguridade Social. Esconde-se da mídia e da população que, na reforma da ``Previdência Social", está, propositadamente escamoteada, a destruição do Sistema Único de Saúde (SUS), acabando com a gratuidade da assistência à saúde.
Modificações tão radicais no Sistema Único de Saúde estão sendo introduzidas por apenas quatro palavrinhas incluídas ``despretensiosamente" na proposta de reforma da Constituição. O artigo 195 da Seção Saúde tem a redação assim modificada: ``Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido, nos termos da lei, mediante políticas sociais e econômicas". O governo, ao introduzir nessa frase a expressão ``nos termos da lei", destrói por completo o Sistema Único de Saúde (SUS).
Como podem quatro palavrinhas, aparentemente inocentes, arrasar com um projeto de cidadania construído durante, no mínimo, três décadas? Um irresponsável qualquer, um gaiato fantasma, posando de governo, dribla as autoridades de seguridade e saúde deste país, sem ouvir técnicos do setor, gestores estaduais e municipais, conselheiros do Conselho Nacional de Saúde e milhares de cidadãos -os usuários desse sistema.
Foi um gesto de escárnio e arrogância de quem pouco ou nada se importa com o que pensa a maioria, a quem o silêncio é imposto porque desinformada e iludida. Numa única penada, traiçoeira e covardemente omitida pelo governo das discussões públicas, se trucida o direito universal e igualitário à saúde.
Isso quer dizer que, se aprovarem essa modificação, qualquer lei ordinária, aprovada por acordo de lideranças ou pelo plenário, sem o quórum qualificado que é exigido para modificações na Constituição (três quintos a favor em quatro votações), poderá estar limitando esse direito líquido e certo de todos ao Sistema Único de Saúde.
Se fizerem essa modificação, vamos ter o direito à saúde subtraído à maioria dos cidadãos pela minoria interessada nos lucros fáceis desse mercado cativo de vender assistência à saúde. As falácias e engodos serão a cobramça por fora, as catracas selecionadoras na frente dos hospitais gerais e, principalmente, o agravamento da seleção iníqua que já existe em vários hospitais especializados.
Em resumo, propõe-se a criação oficial e legitimada do SUS dos pobres e do SUS dos ricos!... Num país onde o número dos que não têm é maior do que dos que têm, vamos ter mais assistência e vagas nos hospitais para os que podem pagar convênios, planos, o ``por fora" oficializado. E um número ínfimo de vagas para os que não podem pagar. Este é o crime de lesa cidadania que um fantasma plantou na emenda governamental.
Falo com tranquilidade em fantasma, pois os informes oficiais que nos chegam são de que o ministro da Previdência afirma não ser de sua autoria essa idéia e a remete ao ministro da Saúde. Já o ministro da Saúde garante que nada tem a ver com reforma da Seguridade e muito menos com esse artigo limitante ao direito à saúde.
Só não posso acreditar em suposições maldosas a que a situação poderia induzir: a existência de um jogo de cena, onde o autor-fantasma estivesse se escondendo atrás de outros para se proteger, tirando pinhas do brasileiro com mãos alheias. A possível presença de fantasmas no governo, adulterando emendas constitucionais e, ainda, passando-se por governo, exige rápida e energética intervenção presidencial.
Que se desmascare o fantasma retirando essa emenda. Só uma atitude imediata e efetiva contra essa absurda proposta pode trazer tranquilidade aos cidadãos que dependem do direito universal à saúde.

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