São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
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Os municípios e o futuro do ICMS

FERNANDO DAMATA PIMENTEL

Na reforma tributária que se avizinha, deve ocupar lugar destacado o debate em torno do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) ou do imposto que venha a substituí-lo. Afinal, trata-se do principal tributo estadual e importante fonte de receita -através do repasse- de praticamente todos os municípios do país. Duas ordens de questões podem ser levantadas.
A primeira, de interesse maior para os governos estaduais, diz respeito à definição do imposto. Se confirmada a proposta de criação de um IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), como junção do ICMS e do IPI, mesmo admitindo que o governo federal tenha de fato, e em boa hora, abandonado a infeliz idéia de incluir o ISS neste arranjo, muitas incógnitas ainda estarão postas.
Esse novo imposto seria cobrado no destino, mas gerando crédito tributário na origem (mesma sistemática do ICMS atual) ou, ao contrário, seria adotado um IVA baseado no princípio de taxação apenas do consumo final? Seria fixada uma alíquota nacional mínima, como forma de evitar a guerra fiscal entre os Estados? Haveria uma padronização (reivindicação antiga e recorrente de todos os contribuintes) dos procedimentos fazendários, fixada em lei federal, no âmbito desse novo imposto?
As respostas é que irão definir o alcance e o impacto do novo tributo. Dependendo delas, poderá haver uma importante mudança no ``ranking" de Estados arrecadadores. Hoje, com o ICMS, os Estados mais industrializados se beneficiam: uma geladeira vendida em Rondônia, mas fabricada em São Paulo, gera crédito tributário em favor deste último Estado. Se adotado o IVA sobre consumo, os Estados menos industrializados teriam um ganho de arrecadação considerável.
A perda, é óbvio, seria diretamente proporcional nos Estados do Sudeste e do Sul. Também a possível adoção de uma alíquota mínima teria reflexos significativos sobre o perfil locacional de empresas e até de setores inteiros nas diferentes economias estaduais.
A segunda ordem de questões interessa diretamente aos governos (e aos habitantes) dos municípios brasileiros. Ela remete à discussão do critério de divisão do novo imposto. A Constituição de 1988, como se sabe, determinou o repasse de um quarto do total do ICMS aos municípios. Aqui surge o primeiro problema.
Com a inclusão do IPI no IVA a ser criado, aparece um novo ``sócio" na partilha: a União. Que percentual desse bolo tributário será demandado por este parceiro inesperado e poderoso?
Os municípios, sem dúvida a parte mais fraca da história, não podem perder um centavo sequer da receita de ICMS que auferem hoje, e que lhes tem garantido -especialmente nos grandes centros urbanos- condições mínimas para enfrentar as graves mazelas sociais, exacerbadas pelo colapso dos programas federais e estaduais de saúde, educação, habitação, abastecimento e outros. As cidades não só não podem perder como querem, sim, aperfeiçoar o princípio de determinação do repasse que lhes é devido.
De fato, o artigo 159 da Constituição Federal define as formas de distribuição do ICMS a ser repassado como sendo 75% pelo valor adicionado e 25% pelo que dispuser a legislação estadual. A forma prática de cálculo do valor adicionado é simplesmente estabelecer a diferença entre o valor das mercadorias que saíram do município e o valor das que entraram, no período de um ano.
Este critério visivelmente privilegia, no rateio do ICMS, municípios mais industrializados, mesmo que isso não signifique recolhimento maior do imposto. O caso típico é o das empresas exportadoras que, embora não recolham o tributo estadual, geram valor adicionado para efeito de cálculo da distribuição.
A consequência disso é que grandes municípios, com demandas sociais elevadas devido ao tamanho da população, porém com setor industrial menos dinâmico em termos relativos, geram valor adicionado menor e saem prejudicados no repasse de ICMS. Nesta categoria enquadram-se quase todas as capitais brasileiras, cuja expansão recente tem no setor terciário (pobre em geração de valor adicionado) seu elemento dinamizador.
É bem verdade que todas elas têm compensado a perda no ICMS com um desempenho muito bom das receitas próprias (IPTU, ISS, ITBI e taxas), baseado sobretudo no combate à sonegação fiscal.
Mas também é verdade que sobre essas cidades tem recaído o peso maior da crise social brasileira. As massas de migrantes pobres, que se deslocam para as capitais e acabam por engrossar as chamadas ``populações de rua", são o testemunho mais evidente desse fato.
Repensar, portanto, o critério do valor adicionado como principal forma de fixação do repasse aos municípios do ICMS, ou do novo IVA, é tarefa urgente.
Como se vê, a reforma tributária deverá enfrentar e responder questões tão polêmicas quanto as abordadas acima. Temos no Brasil um sistema tributário que, bem ou mal, conseguiu um razoável grau de absorção pela sociedade.
É certo que há queixas importantes, que justificam a reforma, mas não se questiona a estrutura básica do sistema: um ou dois impostos significativos para cada esfera de governo (IPTU e ISS nos municípios; ICMS nos Estados; IR e IPI na União). Não vá, pois, o governo federal querer aprovar uma mudança constitucional a toque de caixa, quem sabe como forma de compensar seu provável recuo em outras frentes importantes, como a da Previdência. Neste caso, a emenda pode sair bem pior do que o soneto.

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