São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
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Tio Dave se diverte bem no fim do século

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

O utro dia fui convidado a um happy hour em verdadeiro estilo ``fin-de-siècle". Quando se pronuncia essa maravilhosa expressão francesa que significa final do século, ela evoca cenas saídas diretamente dos grandes centros culturais da década de 1890 -a Paris de Proust, a Viena de Freud ou a Dublin de James Joyce.
Mas a festa de final de século em questão aconteceu aqui mesmo, em Sampalândia.
As alegres festas dos anos 1890 vinham acompanhadas de um elenco dourado de figuras românticas como audaciosos oficiais da cavalaria, poetas neuróticos e coristas -dançarinas de revista com silhuetas que lembravam caminhões de carga pesada. Sim, os festeiros eram fascinantes, sem dúvida alguma. Mas também eram decadentes e estavam fadados. O banho de sangue da 1ª Guerra Mundial os aguardava, pouco depois.
A festa que eu fui tinha seu grupo próprio de participantes ``fin-de-siècle". Eram políticos, pintores, fotógrafos e várias daquelas damas frágeis e belas que sempre parecem surgir como que num passe de mágica.
A impressão que ficou, para tio Dave, é que embora o mundo dos anos 1890 tenha ficado cem anos para trás, está muito menos distante do que parece.
Como aquele pessoal loucamente divertido de um século atrás, as pessoas nessa festa pareciam estar pouco conscientes do fato de que problemas ainda sem nome nos aguardam.
Sem sabê-lo muito bem, elas provavelmente estavam duplamente certas. Quando 1999 virar um zero triplo liderado pelo algarismo 2, não será apenas o final do século, mas o ``fin-de-millenium" -o final de mil anos de história.
Tudo que é preciso para desencadear nosso senso inato de paranóia é alguém aventar a hipótese de que o mundo vai acabar em 1999.
Mas na festa em questão os ânimos estavam exaltados.
O fim do mundo ainda não estava claramente à vista. Como disse certa vez um dos irmãos Marx (acho que foi aquele que usava barba -Karl), a história não se repete exatamente. A primeira vez é tragédia, a segunda é farsa. Essa brilhante observação se choca diretamente com o fato de que nenhum líder religioso jamais previu um Dia do Juízo Final cômico.
Por alguma razão isso me fez pensar no ex-presidente da Gringolândia Gerald Ford, aquele que veio depois de Nixon. Ford foi aquele que, nas palavras de Lyndon Johnson, era tão burro que não era capaz de soltar um pum e mascar chiclete ao mesmo tempo.
Isso, por sua vez, me fez pensar num dia do juízo final realmente cômico.
Como você sabe, Joãozinho, o botão nuclear ainda existe. Fica guardado dentro de uma pasta preta, que acompanha o presidente dos Estados Unidos em todo lugar onde ele anda. Durante algum tempo esteve à disposição de Gerald Ford, um homem que bem poderia ter apertado o botão por engano.
Ou então poderia ter apertado de propósito, para chamar o serviço de quarto.
Bem-vindo ao século 21.

Não Bailes
É bem possível que os bailes formais, assim como os séculos, estejam chegando ao fim. Fique sabendo que tio Dave de fraque não é de se jogar fora. A última vez que desfilei de fraque -lembra?- foi dois anos atrás, no chiquérrimo Baile da Ópera, realizado todos os anos em fevereiro na Opera House de Viena.
Até hoje ainda me lembro da ocasião, porque eu estava acompanhado de minha amiga metade austríaca, a srta. R. Aparentemente enlouquecida pelas quantidades infinitas de borbulhante Sekt (champanhe austríaca) que consumiu, a srta. R. convidou vosso velho e cansado correspondente a dançar uma valsa vienense na pista de dança construída especialmente para a ocasião na Opera House.
Fique sabendo, Joãozinho, que quando o assunto é valsa, tio Dave não é nenhum novato.
Seu herói é produto de uma instituição hoje extinta há muito tempo, a Escola de Danças de Salão. As aulas de danças de salão da sra. Green aconteciam todos os sábados à noite durante os anos da pré-adolescência do velho Dave. Na época jovem, belo e audacioso, Dave aprendeu muito naquelas aulas da sra. Green.
Ele aprendeu a dançar a polca, o foxtrot, o tango e, coroando tudo, a valsa. Também aprendeu a apertar os espartilhos das garotas, para total deleite das mesmas. A sra. Green transformou Dave numa versão morena, sombria (e um tanto quanto coberta de espinhas) de Clark Gable, que no final dos anos 30 era o galã dos sonhos de todas as mulheres.
Os bailes formais costumam ser promovidos para levantar fundos para alguma obra assistencial de grande mérito. Um gênio da Gringolândia acaba de encontrar uma solução que 1) protege os pés feridos de tio Dave, e 2) levanta fundos para os necessitados.
A idéia é promover um Baile Não Vá. Tudo que você precisa fazer é enviar sua contribuição -e não ir ao baile. ``Esta é a função social mais importante à qual você nunca vai comparecer", diz o convite.
Imagine só -não vai precisar deixar teu carro com nenhum manobrista, não terá que comer comida ruim, não precisará esperar numa fila para conseguir um drinque no bar. Parece bom demais para ser verdade.
Acho que sei exatamente quem convidar para ser meu par.

Atirando pedras
Existem meios muito melhores de se atacar um político do que atirar pedras nele.
Embora talvez seja um exercício doloroso, os grupos que se opõem às políticas do governo poderiam experimentar uma abordagem mais radical, como por exemplo atirar palavras inteligentes.
Sei que usar a cabeça dói, mas para os interessados em xingar outras pessoas acaba de sair um novo livro que é uma verdadeira cartilha nessa arte. Chama-se ``The 776 Nastiest Things Ever Said" (As 776 Coisas Mais Desagradáveis Já Ditas), e é editado pela HarperPerennial. Se eu não chegar primeiro, Ruy Castro provavelmente terá uma versão brasileira pronta já na semana que vem.
Aqui vão alguns exemplos:
``Suponhamos que você seja um idiota, e suponhamos que você seja um deputado -mas estou me repetindo" (Mark Twain).
``Eu admiro Ted Kennedy. Quantos homens de 59 anos você conhece que ainda vão à Flórida passar seu recesso da primavera?" (Pat Buchanan).
Richard Nixon: ``Posso não saber muita coisa, mas sei distinguir titica de galinha de salada de galinha" (Lyndon Johnson).
``Um homem que é uma dor de dente" (Jim Hightower, sobre George Bush).
``Cabeça de banana e quadris de mulher" (Hugh Dalton, sobre Charles de Gaulle).
Esperemos que os atiradores de pedras estejam se preparando para aprender a complicada arte de lançar insultos, em vez de lançar pedras para estilhaçar janelas de ônibus. É uma arte muito mais difícil do que atirar pedras, e os danos que causa são muito mais permanentes.

Tradução de Clara Allain

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