São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
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Brasil precisa reaprender a cordialidade

DAVID DREW ZINGG

Da Equipe de Articulistas Bem-me-quer, malmequer. Ela gosta de mim, ela não gosta de mim. Essa antiga brincadeira infantil de arrancar as pétalas de uma flor funciona como amarga metáfora das emoções confusas que sinto em relação ao Brasil, meu país adotado onde me sinto em casa quando estou longe de casa.
Meu caso com o Brasil começou muito tempo atrás, na época em que as distâncias ainda não haviam sido derrubadas pelo avião a jato e o computador.
Quando vim para o Brasil pela primeira vez, o país ficava tão longe em termos de distância, tempo e imaginação quanto um dos romances de Joseph Conrad sobre a perdição moral no Pacífico.
Voei até meu destino num avião movido a hélices, que fez escalas em várias ilhas do Caribe para abastecer-se da gasolina fedorenta, com alto teor de octano, com que movia seus motores mecânicos.
Abrimos caminho em meio à turbulência das nuvens amazônicas, carregadas de trovões, para despejar passageiros vomitantes no aeroporto de Belém.
Depois de mais um dia inteiro, chegamos finalmente a nosso destino, o rústico aeroporto do Galeão. O Rio pelo qual me apaixonei era outra cidade, num tempo aparentemente outro, em outro planeta. Eu me senti um descobridor de um nível de importância que fazia de mim no mínimo um irmão de sangue de Cristóvão Colombo. Para um gringo ingênuo e crédulo, o Brasil era tão diferente!
Hospitalidade
O país era povoado por aquela espécie humana extraordinária -o brasileiro cordial.
Se um estrangeiro, mal-e-mal falando português, pedisse a um carioca qualquer uma indicação de rua, ele o acompanhava pessoalmente até o lugar que procurava.
A genuína hospitalidade das pessoas que conheci no Rio, em São Paulo e em Brasília (ainda em construção) era tão calorosa que continha um perigo oculto, sutil.
Se o visitante não tomasse cuidado, corria o risco de esquecer a razão pela qual viera. Se não prestasse atenção, poderia transformar-se num comedor de folhas de lótus numa ilha chamada Prazer.
Hoje, porém, o Brasil parece ter se tornado prisioneiro da ``Era da Cobiça". Os economistas tomaram conta do país e os humanistas foram descartados a favor de uma folha de balanço mais lucrativa.
Para tornar-se o que antigamente parecia ser, o país de meus sonhos, o Brasil, me parece, precisa acordar -e ir à escola.
Talvez não seja tarde demais. Se a próxima geração estudar em escolas decentes, o Brasil ainda pode reaprender a ser cordial.

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