São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Não existe aqui a guerra de todos contra todos'

Abaixo Darcy Ribeiro comenta a pesquisa do Datafolha:
Folha - Nessa pesquisa Datafolha, em linhas gerais, os turistas estrangeiros têm uma visão mais positiva do país. Isso ocorre quando se afere impressões sobre a hospitalidade -89% dos brasileiros e 94% dos estrangeiros destacaram esse aspecto como ótimo e bom. O brasileiro é hospitaleiro?
Darcy Ribeiro - Essa é uma medida concreta, de gente que foi ouvida. Em primeiro lugar o estrangeiro vem com certo receio e então encontra uma gente que está sorrindo, uma gente que, ao contrário do Brasil de violência, é pacífica. É normal que isso chame a atenção, porque a imagem que ele tem é diferente.
Há pessoas que têm ligação com drogas ou criminalidade, mas não é o universo todo que está envolvido na violência. Um fenômeno ruim é a generalidade, a generalização do desemprego, crianças jogadas na dependência. Aí, uma menina de 11 ou 12 anos que vai para a prostituição não vai por opção moral. Vai porque tem fome em casa. Esse é um fenômeno, mas não existe aqui a guerra de todos contra todos.
Já no Carnaval há muito menos violência, talvez porque os violentos estejam brincando e se desenvolva um ambiente de alegria.
Folha - O Carnaval, quando o Datafolha entrevistou cerca de mil pessoas, mascara a percepção da violência?
Darcy - O mundo de agora se comunica com mais facilidade. Antigamente uma pessoa podia vir ao Brasil e ficar surpreendida ao notar que São Paulo é uma das maiores cidades do mundo, que o Rio de Janeiro é uma beleza. Hoje os turistas já vêm sabendo. Quando compram a passagem, vêem a propaganda ou falam com a agência de turismo isso fica evidente.
E o Carnaval? Aquele que veio para ver o Carnaval pode ficar meio decepcionado, pois podia ter imaginado uma festa em que ele entrasse no meio dos carnavalescos e dançasse com eles.
O Carnaval de hoje é como um espetáculo dos outros, dos que estão dançando e, cada vez mais, é alguma coisa que pessoas especializadas fazem profissionalmente. Já o Carnaval de rua desapareceu. No interior ainda é possível encontrar o brinquedo de Carnaval em que a população, sobretudo na infância, está envolvida.
Mas agora é o grande espetáculo de ver. De fato é o espetáculo mais bonito da Terra, no Rio de Janeiro. Ninguém pode comprar por US$ 100, que é o que o turista paga, um espetáculo igual.
Folha - Então para o sr. o Carnaval piorou, deixou de ter participação espontânea?
Darcy - Não tem mais. E os estrangeiros chegam aqui e são chamados a ver um espetáculo. Parece que o Rio está acabando porque a violência está acabando com o Rio. Mas o fato é que a cidade não está acabando e quem chega lá, com ou sem Carnaval, vê que o Rio está uma beleza e se entrega àquela alegria e ao milagre.
Folha - O gráfico sobre democracia racial no Brasil mostra que 25% dos turistas brasileiros a avaliam ótima e boa. Por que os estrangeiros (51%) a reputam melhor do que os brasileiros?
Darcy - No Brasil as relações inter-raciais são cordiais e, aparentemente, não há preconceito.
O estrangeiro pode se enganar, como durante muito tempo os brasileiros eram enganados e se dizia que o Brasil era uma grande democracia racial. Então os turistas não têm a oportunidade de ver onde dói o racismo e a discriminação. Eles vêem a imagem que o Brasil dá de si mesmo e que corresponde à verdade, a uma convivência social muito mais fluida do que a de qualquer lugar do mundo. Isso aparece para o estrangeiro como a ausência de preconceito.
Já o brasileiro vê o que há por trás disso e a atitude dele é cada vez mais crítica, pois aqui também há preconceito forte. Em geral a situação nos EUA é melhor, porque lá o negro é mais combativo.
Mas é preciso não esquecer que o Carnaval é uma festa negra, voltada para o negro e de endeusamento da mulher.
Folha - Investir na educação é outro item que os entrevistados consideram prioritário. O sr. poderia comentar isso?
Darcy - Se a pesquisa fosse feita só por isso já valeria. Os brasileiros acham que os políticos têm de tomar vergonha e que o fundamental é educação. Mas metade das crianças de São Paulo não completam a quarta série primária.
Coloquei 350 mil crianças em escolas de tempo integral, nos Cieps do Rio. Agora o governo está dissolvendo isso e enviando essas crianças para a escola de turno, onde elas vão fracassar. É preciso ter a consciência de que a educação é o grande problema nacional.

Texto Anterior: País é boa surpresa para turista, diz Darcy
Próximo Texto: Disney inova com estação de esqui 'tropical'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.