São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
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O mundo meio século depois

LUIZ A. P. SOUTO MAIOR

Neste ano de 1995, o mundo celebra o meio século decorrido desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas, para que as celebrações tenham um sentido mais do que simbólico ou afetivo, é preciso que elas não se limitem a render a justa homenagem da nossa gratidão e do nosso respeito aos milhões de seres humanos sacrificados pela loucura belicista de alguns. Cabe também uma reflexão sobre o mundo moldado há cinco décadas pelos vencedores e sobre o que deve ser feito com vistas ao próximo século.
Ainda não se haviam calado as armas e já os líderes das grandes potências vencedoras -aqueles que, em última análise, tinham o poder de tomar as decisões fundamentais- estavam negociando as linhas mestras do que deveria ser o mundo de após-guerra.
Tratava-se, ao mesmo tempo, de uma divisão de espólios e da construção de uma estrutura normativa-institucional capaz, segundo então se esperava, de balizar o comportamento futuro das nações nas áreas cruciais do comércio, das finanças e da segurança internacionais.
Como todo empreendimento desse tipo, não era, entretanto, um exercício idealista. Cuidava-se, por um lado, de evitar padrões de comportamento que, no passado, haviam-se revelado nefastos para toda a comunidade internacional, mas, por outro, de assegurar a preeminência dos vencedores no mundo que se teria de construir sobre os escombros deixados pela guerra.
Assim, criou-se a ONU (Organização das Nações Unidas), formalmente destinada a promover a segurança e a prosperidade de todos os países, mas alicerçada na pentarquia dos membros permanentes do Conselho de Segurança -Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido, França e China, os ``cinco grandes" de então.
Estabeleceu-se o FMI (Fundo Monetário Internacional), capaz de disciplinar a conduta financeira de todos os países que não tinham o poder de emitir dólares, a moeda-chave do sistema.
Instalou-se o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, que se revelou insuficiente para qualquer das duas tarefas. O financiamento da reconstrução foi assumido pelos Estados Unidos e o do desenvolvimento... Bem, este só interessava aos países pobres ou como parte do arsenal da Guerra Fria...
Firmou-se um Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), que deveria promover a liberalização do intercâmbio internacional, evitando o recurso ao protecionismo destrutivo do entre-guerras e, outras coisas sendo iguais, congelar a vantagem relativa dos vanguardeiros da economia mundial.
Agora, com o benefício de 50 anos de retrospecção, podemos lançar os olhos sobre o ocorrido no mundo que, pelo menos em teoria, foi colocado e evoluiu sob a égide de tal sistema. Conseguiu-se meio século de ``paz" entre as grandes potências, mas isto significou apenas que o morticínio e a destruição se localizaram nos limites do chamado Terceiro Mundo, embora frequentemente fossem o subproduto da disputa entre as duas superpotências. Mesmo a ausência de conflito bélico direto entre os grandes deveu-se menos à excelência das instituições internacionais do que à inibição criada pelo equilíbrio do terror nuclear.
O produto bruto e o comércio mundiais -este ainda mais do que aquele- cresceram enormemente, em parte graças à liberalização comercial promovida pelo Gatt, mas a concentração internacional de riqueza só fez aumentar. Globalmente, os pobres não ficaram mais pobres, mas ficaram mais longe dos ricos.
O funcionamento do sistema monetário internacional, alicerçado no dólar, passou a depender efetivamente, em decorrência da erosão da moeda norte-americana, da capacidade de cooperação entre as grandes potências econômicas, essencialmente o G-7 (grupo dos sete países mais ricos).
O capitalismo, como sistema de produção, revelou-se superior ao socialismo. E tal superioridade foi o principal fator da derrocada da União Soviética. Mas os Estados Unidos também se exauriram no desempenho do seu papel de superpotência política-militar e, hoje, já não têm condições econômicas de exercê-lo autonomamente. Foi o que demonstrou a Guerra do Golfo, levada a cabo sobretudo por forças norte-americanas, mas largamente financiada por outros países.
Tudo isso ocorreu, em parte, porque as disciplinas do sistema foram ignoradas pelos grandes sempre que a sua aplicação não consultava os seus interesses. Mas em parte também porque a formidável obra normativa-institucional construída em meados dos anos 40 já não correspondia à realidade de um mundo em constante mutação.
Assim, derrubada a disciplina e a previsibilidade que, embora de maneira arbitrária, era antes assegurada pela interação das duas superpotências, a vida internacional passou a ser dominada por iniciativas tópicas das grandes potências.
Impõe-se, pois, a criação de um quadro institucional que devolva à vida internacional, sem os riscos e aberrações da Guerra Fria, uma forma mais democrática e menos predatória de disciplina.
Do ponto de vista brasileiro, um passo nesse sentido -que se espera venha a ser frutífero- foi dado com a Rodada Uruguai e a criação da Organização Mundial de Comércio.
Este é também o sentido da campanha que vem desenvolvendo o presidente da República em favor da reforma do Conselho de Segurança e da aceitação do Brasil como um dos seus membros permanentes, bem como da adequação do FMI às necessidades de uma economia cada vez mais globalizada, onde os movimentos maciços de capital de curto prazo mascaram problemas de má gestão nacional ou criam sérias dificuldades para economias bem administradas. A alternativa é a lei da selva...

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