São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
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Diretor negro troca gueto por terror

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Filme: Contos do Além-Túmulo: Os Demônios da Noite
Direção: Ernest Dickerson
Elenco: Billy Zane, William Sadler, Jada Pinkett
Estréia: Ibirapuera 1, Ipiranga 1, Center Iguatemi 3, Astor
Ernest Dickerson é o primeiro diretor negro americano a trocar o cinema-verdade do gueto pelos efeitos especiais de Hollywood.
Seu terceiro filme, ``Contos do Além-Túmulo: Os Demônios da Noite", estréia hoje em SP.
Depois de ter sido o diretor de fotografia dos filmes de Spike Lee (até ``Malcolm X"), feito o melhor drama urbano de sua geração (``Juice") e dirigido Ice-T num filme de ação (``Sobrevivendo ao Jogo"), Dickerson acha que está fazendo a coisa certa.
Baseado numa telessérie de sucesso nos EUA, que, por sua vez, é baseada num gibi dos anos 50, ``Contos do Além-Túmulo: Os Demônios da Noite" é o primeiro filme de terror dirigido por um cineasta negro americano.
Dickerson falou à Folha, por telefone, dos estúdios Universal, em Los Angeles.

Folha - O que fez você trocar o gueto negro de ``Juice", seu primeiro filme, pelo fantástico?
Ernest Dickerson - Acho que a maioria dos diretores afro-americanos já está filmando diários sobre a vida nos guetos. Se puder encontrar histórias socialmente relevantes, tudo bem, mas também me atrai fazer filmes que sejam divertidos. Na verdade, pretendo me dedicar mais ao fantástico.
Muita gente acha que a experiência negra na América é algo que acontece só no gueto. Não é bem assim. Existem bons escritores afro-americanos até de ficção científica. E, caso você não tenha reparado, a minha heroína no novo filme é uma afro-americana.
Folha - O papel de Jada Pinkett não era previsto no roteiro?
Dickerson - Não. Esta foi a minha maior contribuição ao roteiro. Eu queria que uma mulher negra salvasse o mundo.
Folha - O papel de Ice-T, em ``Sobrevivendo ao Jogo", também foi uma criação sua?
Dickerson - Sim, o roteiro foi feito para um ator branco. A princípio, o estúdio ficou incomodado com a minha sugestão de filmar um afro-americano, porque o contexto se tornaria racista. Mas foi só colocar um negro entre os vilões que a ênfase racial sumiu.
Acho importante incluir personagens afro-americanos em roteiros feitos para gente branca.
Folha - Com o cabelo curto e descolorido, Jada ficou parecida com a heroína do gibi ``Liberdade", de Frank Miller. Vocês já pensaram em filmá-lo?
Dickerson - Ah! Jada e eu somos fãs desse quadrinho. Quando ela apareceu com o cabelo descolorido na locação, eu acabei lhe dando o gibi, porque ela seria perfeita para o papel, se um dia o filmarmos.
Folha - Antes de Spike Lee, só Sidney Poitier e os filmes da chamada ``blaxploitation" (policiais negros) tinham encontrado espaço em Hollywood. O que fez com que a indústria se rendesse ao novo cinema negro?
Dickerson - Foi uma questão de ``timing" (tempo certo). Em 1983, quando quis começar a produção de ``Juice", ninguém em Hollywood queria saber de filmes sobre negros. Foi preciso Spike fazer sucesso para abrir os olhos da indústria.
Folha - O fato de você, John Singleton e Mario Van Peebles terem chegado ao terceiro filme significa que o espaço dos diretores negros já está consagrado?
Dickerson - Espero que sim. Eu ainda acho que, para sobreviver, precisamos abordar outros tópicos que não a violência urbana. Um dos meus maiores problemas é tentar projetos que não foram planejados para diretores negros.
Folha - Como você vê o paralelo entre o gibi que inspirou a série ``Contos do Além-Túmulo", nos anos 50, e os ``gangsta" rappers, nos 90? Ambos motivaram comissões parlamentares de inquérito e processos legais por causa de sua violência.
Dickerson - A violência existe fora das letras de rap, dos gibis e dos filmes. A maioria dessas formas só expressa o que está acontecendo -e quase sempre com indignação. O governo simplesmente abandonou a juventude americana e agora ameaça cortar todo o investimento em programas de auxílio à educação e ao desemprego. Fica cômodo, assim, dizer que uma obra de arte é que inspira alguém a cometer um crime.
``Contos do Além-Túmulo" até fez uma piada sobre a histeria contra os gibis de terror nos anos 50. Há uma cena em que um demônio sai de uma revistinha para possuir um moleque, fazendo com que o gibi realmente se torne uma péssima influência para as criancinhas.
Folha - Por que você usou rappers como atores em seus primeiros filmes?
Dickerson - Ice-T já tinha se mostrado carismático em ``New Jack City - A Gangue Brutal" e em ``Os Saqueadores", e eu achava que ele podia convencer mais como um ``sem-teto" do que Charlie Sheen, que era a escolha do estúdio.
Com 2Pac, tinha a ver com o tema de ``Juice", que se dividia entre ``hip-hop" e pequenos gângsteres.

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