São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
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Pesquisas estimulam paranóia dietética

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

C hocolates dietéticos engordam mais que os comuns. Pão de glúten tem mais calorias do que o convencional. É o que revelou o Instituto Adolfo Lutz esta semana.
A notícia surpreende, é claro. Mas, a rigor, não deveria surpreender tanto. Não faz muito tempo, surgiram advertências contra os supostos ``produtos naturais". Nem são tão naturais assim, nem são necessariamente bons à saúde. Legumes cultivados no horror aos agrotóxicos e produtos químicos estão, às vezes, repletos de bactérias. Muitas perigosíssimas.
Já não está tão em moda correr como um louco. Pessoas de mais idade se arriscam bastante com o cooper radical. Estudos falam de problemas nos joelhos e na coluna dos maníacos de academia. E o que dizer daqueles exames de coração nos quais o paciente se esforça tanto na esteira ergométrica que termina encontrando, ali mesmo, o enfarte que procurava?
Considerações desse tipo são um pouco fáceis. Evidentemente, quem as enuncia está em busca de pretextos para uma vida sedentária e pouco saudável. Exagerar nos exercícios, radicalizar na dieta, pode ser ruim, mas isso não prova que exercícios e dietas não façam bem.
Digam o que disserem as fábricas de produtos diet, o efeito desse rótulo equivale ao de uma propaganda enganosa. Mas o problema é um pouco mais complicado.
Em primeiro lugar, quase toda propaganda é enganosa. O uso da água-de-colônia X não fará com que mulheres belíssimas agarrem no seu pescoço. Piores são os anúncios de cigarro, mostrando atletas aeróbicos.
Mas também é ingênuo acreditar que o consumidor seja tão ingênuo assim. Todo mundo sabe que a propaganda é enganosa. O escândalo não é que seja enganosa. É que a gente, mesmo sabendo disso, se deixe guiar por ela. A má-fé é geral.
Há outro fator em jogo. O consumidor está exposto a mensagens contraditórias. O anúncio de pizza diz para você ceder à tentação. A loja de roupas, mostrando padrões extremos de elegância, diz que é melhor você começar um regime amanhã.
Acontece que a própria contradição estimula o consumo. Dividido entre diversas tentações, o consumidor cede a todas. À medida que a propaganda faz apelo a objetivos inconciliáveis -gula e esbelteza, droga e saúde-, as pessoas tratam de conciliá-los no seu cotidiano, mas não se conciliam consigo mesmas: oscilam de um a outro prazer com sentimento de culpa e, para aplacar a culpa, consomem mais.
Mas os produtos diet são a promessa de que pode haver prazer sem culpa. Nesse sentido, fazem bem do ponto de vista psicológico. Mesmo que engordem tanto ou mais que os outros alimentos, quem sabe não são melhores para a saúde?
Um amigo meu estava com o colesterol alto. Entrou num regime severo. Durante um mês, não comeu nem um ovo sequer. Aboliu frituras. Começou a apreciar o sabor sutil de uma torrada com ricota. Verduras, verduras. Nada de bife.
Sentia-se otimamente. Rejuvenesceu. A luta contra o colesterol trouxe graça e emoção a seu cotidiano. Depois, novo exame de sangue. O esforço tinha sido inútil. A taxa de colesterol estava idêntica. Comemorou o resultado com uma triste feijoada.
Sim, mas qual a importância de não ter baixado o colesterol? Só o fato de estar cuidando da própria saúde já lhe tinha feito bem à saúde.
É claro que há regimes mais burros e regimes mais inteligentes. Mas o simples fato de se impor uma disciplina alimentar -não importa muito qual seja- faz a pessoa sentir-se melhor. Dietas são alimento para o superego; academias de ginástica também. O corpo agradece; depois, é claro, se revolta.
A esse clima de mentalidades, onde alimentação está ligada a culpa, não é estranha a busca de ``amigos" e ``inimigos", numa espécie de paranóia dietética.
Não há semana em que não se revele o mal ou o bem que determinado alimento pode causar. Recentemente puseram o peixe sob suspeita. Já li que o morango, sem agrotóxico, tem venenos naturais da pior espécie.
E que o número de vegetais alucinógenos é maior do que se pensa. O próprio oxigênio pode ser alucinógeno.
Talvez sejam de fato. Pesquisas científicas trazem sempre conclusões provisórias, e a interação de uma enorme quantidade de substâncias dentro de organismos que diferem um do outro é assunto complexo. O problema não é esse. O fato notável é que se vive, como nunca, a conjunção entre insegurança psicológica e hábito alimentar.
Antigamente comer fazia bem. Hoje, faz mal. Plenitude no estômago, conforto econômico e proteção materna (``come mais, meu filho...") estavam associados, com vantagens psicológicas que certamente não eram nocivas à saúde.
Mas não há Instituto Adolfo Lutz ou faculdade de medicina que detecte a taxa mortífera, infartogênica, hipertensionante da preocupação com a vida saudável. Preocupar-se com dieta e exercícios é bom, desde que a gente os faça -mas nem sempre isso acontece. E, então, é provável que a pessoa fique mal; não sei se de colesterol ou de culpa. Talvez uma mistura dos dois.

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