São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
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Boris Belkin arruina Mozart em concerto para ser esquecido

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O que uma platéia espera de um concerto? Cada um de nós tem a chance de escutar em casa os maiores músicos do planeta, sem fazer mais esforço do que para acender a luz. O rádio e o CD nos acostumaram mal, e estamos melhor servidos de música, agora, do que qualquer outra geração. Nessas condições, o que sobra a um músico oferecer no palco?
Descontado o fascínio de ver algum ídolo ao vivo e descontadas as diferenças de som, que não são pequenas, o concerto ao vivo ainda guarda a mística do irrepetível, da noite inspirada em que a música fica maior que si mesma, e a platéia e os músicos também.
Oxalá tivesse sido uma noite dessas. Mas o concerto, terça-feira passada, do violinista Boris Belkin e a Master Chamber Orchestra, no Teatro da Hebraica em São Paulo, foi praticamente o oposto deste ideal. Neste concerto, não houve economia de erros, mas pior do que isto é escutar a música vazia, tocada de fora, para não dizer com desleixo.
Um violinista como Boris Belkin sempre se salva com a exibição, com o virtuosismo. Mas Belkin tocando Mozart parece tão fora de lugar como um Robert de Niro fazendo Hamlet. Sua melhor presença musical veio à tona nas cadências, mais adequadas a Paganini do que a Mozart, mas que lhe permitiram, ao menos, mostrar o que sabe fazer com os dedos.
Nada disto salvou uma interpretação sem vigor e graça, arrogantemente alheia a tudo o que já se escreveu e tocou nesses últimos 30 anos, no capítulo da música do período clássico, e confiante de que todo e qualquer estilo musical fica sempre bem quando interpretado à maneira do romantismo russo. O problema é que nem o romantismo russo fica bem, como se viu na ``Valsa-Scherzo" de Tchaikovski, traduzida em peça de salão.
Os mesmos problemas valem para o concerto para dois violinos, em ré menor, de Bach, onde Belkin teve a companhia do spalla Mark Blekh. Agravado pelo acompanhamento frouxo da orquestra e um cravo só de cenário. Apresentada como uma orquestra de ``mestres", com músicos ``de várias grandes orquestras", a Master reuniu um grupo visivelmente cansado de músicos aparentemente mal ensaiados.
Sozinha, na serenata de Tchaikovski que abriu o programa, a orquestra não soou tão mal, embora tenha decaído bastante do primeiro ao último movimento.
Não sei se houve mais de um bis. Depois de escutar o terceiro movimento da ``Sinfonia Concertante para Violino e Viola" de Mozart, desfigurado a um ponto tal que até o mais tolerante dos críticos perderia a paciência, achei que podia dar o concerto por encerrado.
É um consolo, ao menos neste caso, pensar que um concerto ao vivo não se repete nunca. E é um consolo, também, saber que, na música, se não na vida, a gente esquece das coisas ruins com a mesma rapidez com que esquece de um mau filme. A série da Hebraica traz maravilhas pela frente, e deste concerto eu felizmente já me esqueci.

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