São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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Engodos privados

JANIO DE FREITAS
ENGODOS PRIVADOS

Não faz tanto tempo, eram privadas todas as atividades estatais que estão sendo ou podem vir a ser privatizadas agora. As telecomunicações e a eletricidade tornaram-se monopólios estatais há apenas 30 anos, porque seus concessionários não mais investiam para expandir os serviços na medida necessitada pelo crescimento econômico e urbano, tornando-se alvos de repúdio quase unânime. O monopólio estatal do petróleo instalou-se há 43 anos, e no vazio, porque as empresas hoje interessadas na privatização simplesmente negavam a existência, no Brasil, de reservas exploráveis.
Na disputa por apoios, porém, os privatistas têm sido muito menos sérios do que seus adversários. Seus principais instrumentos são o engodo e, agora, a compra de votos no Congresso, como acaba de fazer Fernando Henrique com 140 parlamentares-ruralistas, na votação das telecomunicações (Sarney era, pelo menos, mais discreto, não posando para documentação fotográfica no ato de pagamento -às custas do estatal Banco do Brasil).
Assim como a balela da ``modernidade", o argumento de que, com a privatização, ``vamos ter produtos bons e baratos" é engodo puro. Dito ou escrito por comentaristas econômicos e economistas, é cinismo deslavado (e, em numerosos casos, bem remunerado por baixo da mesa). Em todos os países submetidos a processo de privatização, não houve um só preço de atividade privatizada que deixasse de subir, em valor real. Até há pouco apresentado como modelo de privatização, no México houve preços que se multiplicaram por dez.
Não há motivo, por mais tênue, que prometa ser o Brasil, logo ele, a primeira exceção na voracidade dos preços privatizados. Há algum tempo, o repórter Francisco Santos, da Folha, entrevistava o então presidente da Shell sobre seus argumentos pró-privatização quando, notando a ausência de um argumento, perguntou-lhe sobre as perspectivas dos preços. Resposta: ``Ah, isso é melhor não falar. Os preços vão subir, mesmo".
Outra falácia, a mais constante delas, é a de que ``as estatais não funcionam porque o Estado não sabe administrar". O Estado é o Estado onde quer que haja. Mas na Europa, além de existirem em abundância, as estatais funcionam às maravilhas. Os serviços postais e de telecomunicações da França, por exemplo, são estatais e são modelos técnicos e administrativos para o mundo todo. Os Estados Unidos, cidadela da empresa privada, também oferecem os seus exemplos de estatais, e eficientes. Entre outras, as dos transportes coletivos urbanos, inclusive - pasmem os paulistanos de Maluf e Cesar Maia - os ônibus.
A diferença fundamental entre aquelas estatais e as brasileiras não está nas primeiras nem nas nossas: está na política. Os presidentes, governadores e prefeitos brasileiros usam as direções das estatais como instrumento político. As direções das nossas estatais não são compostas por técnicos das respectivas atividades. São apenas políticos, que, por sua vez, usam do seu poder na estatal com propósitos também políticos, e não empresariais ou sociais. E o termo político, no caso, raramente se dissocia de corrupção.
Quem diz que as greves com efeitos sociais e políticos só são possíveis por causa dos monopólios, e aí está a dos petroleiros, ignora ou esconde que as greves dos caminhoneiros nos Estados Unidos, sem qualquer vínculo estatal, figuram como as maiores e mais violentas na história das lutas sindicais. E faz por esquecer as grandiosas greves trabalhistas e políticas dos metalúrgicos paulistas, entre tantas citáveis, das quais emergiu Luiz Inácio da Silva e cujos apoiadores incluíam um certo Fernando Henrique Cardoso.
Se a privatização depende de falácias, tornaria improvável que resultasse em mais do que isso.

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