São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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Greve dos petroleiros tem aspectos positivos

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O direito de greve (artigo 9º da Constituição) foi garantido em termos incontroversos, compatíveis com sua maior extensão, seja no referente à oportunidade de o exercer, seja no atinente aos interesses defendidos, como decisões da exclusiva competência dos trabalhadores. Tenho posição bem marcada sobre o assunto, em livro de direito constitucional, de modo a mostrar a isenção das opiniões aqui emitidas.
No mesmo livro anoto a necessidade de preservar certos serviços ou atividades essenciais, relacionados com o normal desenvolvimento da vida do país, envolventes de direitos e garantias fundamentais, que o Estado tem de defender, a benefício da coletividade, ainda que sacrificando alguns indivíduos ou categorias profissionais.
Acrescento, ainda, na mesma obra, que o referido artigo 9º afirma a essencialidade, não para restringir o direito de greve, mas para dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Ao mesmo tempo em que se cuida de remédio vigoroso, imprescindível à defesa dos interesses dos trabalhadores, a greve, pelos grandes efeitos que pode provocar em toda a sociedade, impõe séria responsabilização a seus dirigentes e participantes. A sujeição ao apenamento pelos abusos é determinada em lei ordinária.
A Folha, em editorial, discutiu a intervenção militar, fustigou a desobediência dos petroleiros a uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho, da qual resultava a necessidade de retornarem aos seus postos e criticou o dominante aspecto político.
Quanto ao lado jurídico, o recurso oferecido, como sempre se soube, não tinha e não tem efeito suspensivo. Os petroleiros deveriam trabalhar, mas optaram por não cumprir a decisão judicial. Resolveram ofender a ordem do Tribunal. A ameaça de pararem o país persistiu ao longo dos dias (na falta do combustível necessário e do gás de cozinha) como elemento de pressão política.
A justiça das vantagens profissionais reclamadas perde importância diante do absoluto inconveniente de que uma só categoria profissional tenha condições de perturbar a vida de todos os demais cidadãos. O pode excessivo, dominador, é ditatorial. Ofende o direito, tanto quanto, há poucos anos, o poder da revolução militar desrespeitava o mesmo direito.
Os petroleiros optaram pelo descumprimento da ordem judicial. Maria Garcia, num livro admiravelmente claro e preciso (``Desobediência Civil", Revista dos Tribunais, 288 páginas), caracteriza a desobediência civil como a forma particular de contraposição do cidadão, ativa ou passiva, à lei ou ato da autoridade, objetivando a proteção das prerrogativas da cidadania.
No caso da greve, a desobediência civil é inaceitável: nós todos, das outras categorias profissionais e mesmo os não trabalhadores, temos o direito inafastável de continuar em nosso trabalho e nossa vida, em parâmetros de normalidade. O direito deles termina onde começa o nosso.
A desobediência civil, ensina Maria Garcia, é um direito fundamental. Mas, deve ser exercido com responsabilidade. Não foi o caso desta greve. Ela trouxe, porém, uma reavaliação reforçada à medida em que a crise do gás e do combustível evoluiu.
Mostra que é necessário mudar a lei, para impedir o domínio da nação por um único setor profissional, ainda que com isso se tenha de restringir o monopólio do petróleo. Entre dois males, ficaremos com o menor, dando à greve pelo menos um aspecto positivo.

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