São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995 |
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Incorporação do espírito de Nero
OSIRIS LOPES FILHO Alguns componentes da tecnoburocracia estão impossíveis. A sua criatividade vai alcançando píncaros antes inimagináveis.As idéias que vão sendo formuladas com toda a circunspecção e aparência de rigor científico, em matéria tributária, não podem ser classificadas como nefelibáticas. Estas propostas que têm sido apresentadas acerca da tributação contém a segurança e a convicção do apoio popular. Se há uma unanimidade nacional é a de que urge uma reforma tributária. Ao reconhecer a existência desta convergência uníssona de vontades, não resisto em registrar a mordacidade do Nelson Rodrigues, a dizer que “toda unanimidade é burra”. As propostas de reforma constitucional tributária, pela desenvoltura das formulações e arquitetura arrojada dos desenhos, dão-me a certeza da ocorrência de um novo surto do complexo de Nero. Nero, imperador romano, possuía veia poética singular. Não lhe era do agrado a estrutura urbana e arquitetônica de Roma. Para mudar o que lhe parecia inadequado, mandou tocar-lhe fogo, destruindo-a, pretendendo o renascer de uma cidade mais bela e funcional. A nossa tecnoburocracia segue-lhe o caminho. Pretende substituir radicalmente o atual sistema tributário nacional, como se os novos impostos tivessem moldabilidade e aderência à realidade, tão logo fossem implantados. Exagera-se a realidade tributária. Falam existir 58 impostos, quando efetivamente, são 13. Um com morte marcada, para 31 de dezembro deste ano -o Imposto sobre Venda a Varejo, de combustíveis, líquidos e gasosos, da competência dos municípios. A corrente radical propôs singelamente o Imposto Único, a simplificar grotesca e demagogicamente uma situação complexa. Outros, adeptos da cartilha tributária do FMI, propõem a fusão do IPI, ICMS e ISS num novo tributo, o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), em atentado à estrutura federativa do Estado e à autonomia financeira dos Estados, Distrito Federal e municípios. Os simplórios, pretendendo facilitar as trocas internacionais, sugerem a criação do imposto sobre o comércio exterior, em substituição simplificadora do Imposto de Exportação, embora a sua incidência continue sobre aquelas operações. Nesta linha, ao considerarem que há impostos demais sobre a propriedade mobiliária -Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana, Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis- idealizam a criação de um imposto sobre a propriedade imobiliária, que incidirá da mesma forma anterior, sobre os imóveis rurais e urbanos e sobre suas transmissões. Está-se a esquecer que os impostos interferem com o bolso dos cidadãos, com a economia do país e com o financiamento dos entes públicos. E que a inovação nesta área deve ser cuidadosa, para que não resulte em efeitos perversos e indesejados, ainda que previsíveis. E a última novidade -a ressurreição do IPMF- parece ganhar novo alento, com a decisão unânime, na semana passada, do Supremo Tribunal Federal, de considerar o adicional ao frete da Marinha Mercante como contribuição de intervenção no domínio econômico, podendo até ter base de cálculo e fato gerador semelhantes aos de outros impostos, como ICMS. Vai-se tentar travestir o IPMF de contribuição social, para financiar a saúde. A dificuldade existente é o disposto no artigo 195, parágrafo 4º, combinado com o artigo 154, inciso 1º da Constituição. Além da exigência de tal contribuição ser instituída por lei complementar, que necessita de quórum especial para sua aprovação, a nova figura tributária não pode ter o fato gerador ou a base de cálculo dos impostos previstos na Constituição, devendo ainda ser não-cumulativa. Eis o desafio a ser enfrentado pelos governantes que, diante da escassez de recursos, apelam para retirá-los do bolso do povo. OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal. Texto Anterior: Castelo de cartas Próximo Texto: O SOBE E DESCE Índice |
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