São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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O Banco do Povo

GUILHERME AFIF DOMINGOS

No começo de abril, durante visita à Amazônia, o presidente Fernando Henrique Cardoso revelou a intenção e o desejo de criar o Banco dos Pobres, instituição destinada a atender os pequenos empresários e mesmo pessoas físicas com dificuldades de acesso aos créditos bancários convencionais.
A preocupação do presidente da República é procedente, pois ninguém desconhece as dificuldades que o micro e pequeno empresários e o cidadão comum enfrentam na busca de recursos para investimentos na produção.
Pesquisa divulgada recentemente pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas) revela que, de 477 micros e pequenos empresários entrevistados, 69% não realizaram investimentos nos últimos seis meses por falta de recursos próprios e devido às altas taxas de juros cobradas pelo sistema financeiro.
A criação de um novo banco estatal parece estar fora de cogitação, no momento em que se fala em privatizar instituições financeiras estaduais, às voltas com graves problemas.
O Sebrae tem um projeto que vai ao encontro dos sonhos presidenciais. Vamos propor ao presidente a criação do Programa Nacional de Crédito Orientado, para facilitar o financiamento de até US$ 20 mil aos pequenos projetos. Na prática, esta idéia nada mais é do que a concretização da proposta de criação do Banco do Povo.
O programa de crédito proposto pelo Sebrae não prevê a criação de nenhum banco, mas a reorientação dos recursos já existentes, porém dispersos. Recursos, na realidade, não faltam. O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) tem US$ 1,5 bilhão no BNDES para financiar projetos.
De acordo com a proposta do Sebrae, uma parte destes recursos poderia ser repassada ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal para financiar pequenos projetos, que geram mais empregos e renda. O Sebrae entraria no programa com a criação de um Fundo de Aval, que garantiria, de forma suplementar, as operações de crédito.
Com apenas um terço dos recursos do FAT para o financiamento dos micros e pequenos empresários, teríamos cerca de US$ 1 bilhão, contando as contrapartidas do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.
Além do Fundo de Aval, o Sebrae poderia oferecer assistência gerencial aos microempresários.
O Programa Nacional de Crédito Orientado tem tudo para dar certo. O pequeno empresário é bom pagador, pontual e o presidente FHC já afirmou isto. Quem não paga é o rico, segundo palavras do próprio presidente e informações do Banco do Brasil. Eu diria que não são propriamente os ricos, mas os poderosos, aqueles que têm influências, os maiores inadimplentes.
Com este programa, estaremos financiando o desenvolvimento e atendendo a milhares de pequenos, para quem o acesso ao crédito no Brasil é muito difícil. A grande maioria tem capacidade para produzir, mas não possui bens suficientes para dar em garantia pelo financiamento.
O próprio Sebrae tem experiências anteriores que apontam a viabilidade da proposta. Há anos, foi desenvolvido na Bahia e em Pernambuco o Projeto Uno, em convênio com uma fundação norte-americana, destinado ao atendimento de pessoas de baixa renda.
O órgão depositou em bancos participantes do programa um valor que servia de garantia para empréstimos a pessoas selecionadas e orientadas pelos agentes do Cebrae (na época, a sigla era esta, com ``c").
O programa permitiu a compra de ferramentas e equipamentos de trabalho para costureiras, marceneiros, eletricistas, jardineiros etc. e apresentou inadimplência inferior à das demais linhas de crédito.
O maior obstáculo à realização de programas semelhantes, atualmente, é a dificuldade de obtenção de recursos que possam ser emprestados a taxas suportáveis a atividades de baixo retorno. Também inexistem mecanismos de garantia que motivem o sistema bancário a operar com esta faixa de população.
A proposta do Sebrae, que será levada ao presidente Fernando Henrique Cardoso, torna viável o acesso ao crédito de empresas que não disponham de garantias complementares para a obtenção de financiamento para máquinas e equipamentos.
O mesmo mecanismo poderá beneficiar a população de baixa renda, complementando programas desenvolvidos por muitas entidades no sentido de assegurar a ocupação de pessoas que não conseguem empregos, como o da Federação Nacional de Apoio aos Pequenos Empreendimentos (Fenape).
A cobrança de juros mais baixos e suportáveis é condição essencial para o sucesso de um programa como este. A proposta do Sebrae tornará possível a criação do verdadeiro Banco do Povo.

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