São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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Riscos podem agravar penalidades

DA ``THE NEW REPUBLIC"

As armas biológicas constituem o instrumento mais amedrontador à disposição de terroristas hoje. Mas são também aquelas que estão mais distantes das preocupações de qualquer político importante.
A Convenção sobre as Armas Biológicas (CAB), de 1975, que proíbe os Estados Unidos, a então União Soviética e outros países signatários de engajar-se em qualquer programa de armas biológicas, é totalmente ineficiente.
Quando, em 1979, a extinta União Soviética sofreu um misterioso surto de antraz nas vizinhanças de um local de pesquisas militares, o Pentágono não ficou muito surpreso, mas os EUA não tiveram meios à disposição para investigar.
A administração Clinton não tem nenhuma proposta iminente para remediar a situação. Enquanto isso, o resultado mais visível de uma série de reuniões entre países signatários da CAB, para sua revisão, é uma série de acordos para dar seguimento às reuniões. Não se cogita dotar a CAB de um rigor remanescente da convenção sobre as armas químicas.
Quando se pede às pessoas que expliquem essa anomalia, elas citam os problemas práticos que tornam a detecção de armas biológicas mais difícil do que a de armas químicas.
Existem tantas salas pequenas, teoricamente suspeitas, em tantas instalações médicas e biotecnológicas! E quando os locais são inspecionados, é difícil determinar com precisão se alguma coisa ilícita está sendo feita no local ou não.
Para citar um exemplo, uma tentativa perfeitamente legítima de produzir vacina contra antraz seria desculpa para se ter esporos de antraz -ou seja, seria um dos vários "disfarces potenciais da produção de armas.
Além disso, uma quantidade pequena e inconspícua de agentes patogênicos pode ser transformada numa quantidade suficiente para produzir uma arma no prazo de apenas duas semanas.
É verdade que esses fatores complicam dramaticamente a implementação do tratado. É igualmente verdade que ressaltam dramaticamente a necessidade de implementá-lo.
Saber que em milhares de prédios no planeta algum universitário ou técnico de nível médio pode estar cultivando esporos de antraz em quantidade suficiente para dizimar a cidade em que vivo não é exatamente condizente a uma atitude de "laissez-faire.
Alguns radicais já chegaram ao ponto de sugerir novas abordagens ao problema. Uma idéia é "internacionalizar a produção de vacinas, ou pelo menos comprimir a produção de vacinas em cada país em um número menor de locais, para facilitar a monitoração internacional e torná-la mais frequente.
Isso privaria todas as outras instalações de um dos disfarces para a produção de armas, de modo que, por exemplo, fosse difícil explicar a presença de esporos de antraz encontrados em alguma inspeção-surpresa.
É claro que isto supõe a existência de inspeções-surpresa em busca de armas biológicas, o que não acontece. Acrescentar tais inspeções à CAB é a idéia mais ambiciosa que está sendo aventada na administração Clinton (e ela não está sendo aventada nos mais altos escalões).
A idéia não seria tornar a CAB tão abrangente quanto a Convenção sobre Armas Químicas. O grau de inspeções rotineiras previstas na convenção é provavelmente impraticável no caso das armas biológicas, devido ao grande número de locais que teriam que ser inspecionados.
Em vez disso, uma CAB revista poderia simplesmente prever a exigência do fornecimento de dados sobre todos os locais desse tipo e estipular que eles estariam sujeitos a inspeções-surpresa ocasionais.
Isso faria com que a produção de armas biológicas fosse pelo menos um pouco mais arriscada. É uma idéia válida, já que se está falando em armas de destruição em massa.
A administração Clinton ainda não modificou a posição oficial norte-americana em contrário, que herdou da era Reagan-Bush de pensamento típico da Guerra Fria, com seu temor exagerado de inspeções feitas por cientistas comunistas geniais.
Uma idéia que surgiu durante as reuniões periódicas da CAB é acrescentar à Convenção sobre Armas Químicas uma CAB nova, mais rígida.
O órgão diretor da CAQ, sediado em Haia, poderia ser expandido para abranger tanto armas químicas quanto biológicas, provocando sua metamorfose de Organização para a Proibição das Armas Químicas em Organização para a Proibição das Armas Químicas e Biológicas.
Pressupondo que uma nova convenção biológica seguiria a linha adotada pela convenção química, no tocante às penalidades previstas para os casos de desobediência, os dois conjuntos de penalidades poderiam ser fundidos.
Se o país que desobedecesse qualquer um dos dois tratados tivesse cortado seu acesso ao comércio internacional de substâncias químicas e equipamentos biotecnológicos também, a desobediência se tornaria uma perspectiva nada atraente.
Teoricamente -e a longo prazo-, o TNP poderia ser incluído nesta mistura, de modo que a produção de qualquer arma de destruição em massa complicaria o acesso do país à tecnologia química, biológica e nuclear mais avançada.
Isso conferiria ao TNP boa parte da força que hoje lhe faz falta, e criaria um mundo em que a utilização responsável da tecnologia fosse pré-requisito para o acesso ilimitado a ela.
Desnecessário dizer que qualquer pessoa que aventasse tal hipótese nos círculos políticos decisórios em Washington seria expulsa, tachada de incuravelmente sonhadora.
Existem razões políticas pelas quais as armas biológicas têm recebido menos atenção do que merecem. Por um lado, a ratificação da Convenção para as Armas Químicas é vista como pré-requisito de uma nova iniciativa no campo das armas biológicas.
Para se chegar à CAQ foi preciso mais de uma década de árduas negociações. Se ela fracassar, ninguém vai se oferecer como voluntário para liderar o mundo em mais uma campanha visionária para o controle de armas.
Infelizmente a CAQ está parada no Senado norte-americano há nove meses. Ela conta com o apoio nominal de algumas pessoas importantes, como o próprio presidente Clinton e o senador Richard Lugar, do Comitê de Relações Exteriores.
Mas nem Clinton nem qualquer outra personalidade importante optou por fazer da CAQ sua missão primordial na vida. Os 12 mortos em estações do metrô japonês não levaram o problema a atravessar o limiar dos problemas cotidianos.
Assim como o progresso na área das armas químicas abriria caminho para avanços no campo das armas biológicas, a extensão do TNP por uma maioria avassaladora é vista como pré-requisito para a discussão de reformas importantes no regime de inspeção e verificação do TNP.
Na realidade, a extensão do TNP dá um ponto de vantagem a partir do qual o presidente Clinton poderia inaugurar esta mesma discussão, ou mesmo uma discussão mais ampla sobre as armas de destruição em massa.
Esse ponto de vantagem também representaria uma oportunidade política de destaque em âmbito nacional, para um presidente que é frequentemente visto como sendo insuficientemente presidencial.
Com todas essas siglas (TNP, CAB, CAQ) passando por fases críticas, em um sentido ou outro, 1995 pode acabar por constituir um momento de virada real: as instituições internacionais básicas terminarão o ano ou muito fortalecidas ou muito enfraquecidas -e se a última alternativa for a correta, as perspectivas de um mundo pós-Guerra Fria estável se reduzirão em muito.
Se em algum momento o presidente Clinton decidisse exercer sua liderança na questão das armas de destruição em massa, é pouco provável que a posteridade o avaliaria como alarmista.
Não apenas as ameaças que ele trataria estão crescendo; seu crescimento possui raízes profundas e duradouras: a habilidade cada vez maior na manufatura de força destrutiva; o aumento do acesso, via informática, às informações necessárias para essa manufatura; a disponibilidade cada vez maior dos materiais necessários, num mundo cada vez mais industrializado, e a facilidade cada vez maior de envio dos mesmos.
A força subjacente é realmente inexorável: o acúmulo de conhecimento científico e sua aplicação aos assuntos humanos, através da tecnologia.
Até agora nenhuma dessas lições foi ministrada à custa de dezenas ou centenas de milhares de vidas. Mas com o passar do tempo, é certo que o custo das lições irá subir.
Tradução de Clara Allain

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