São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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O rio da desindexação

A eleição de Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno a muitos pareceu um sinal de capacidade de liderar transformações sem precedentes. Mas, se de fato não houve o segundo turno, a semana passada foi marcada por confrontos a tal ponto decisivos que, no limite, talvez se pudesse dizer que se viveu, fora das urnas, um terceiro turno.
A greve dos petroleiros, desacatando decisões judiciais, colocou em questão o próprio Estado de Direito. Indiretamente, portanto, desafiou a própria democracia.
Mas no final da semana a anunciada normalização da produção indicava não apenas a preeminência da legalidade como também os sinais de esvaziamento da greve como ação direta contra um programa de governo legitimado nas urnas.
Talvez não sejam coincidência os avanços, também na semana passada, da reforma constitucional. Na segunda-feira foi aprovada na Câmara a proposta de eliminação, na Constituição, do preconceito contra a empresa de capital estrangeiro. Na quarta, numa primeira votação na mesma Casa, ganhou força a flexibilização das telecomunicações.
Ou seja, apesar do clima de confronto, o programa de reformas defendido pelo governo avançou.
A semana foi decisiva também na área econômica. Depois de 15 anos fora dos mercados internacionais, o governo do Brasil voltou a captar recursos, emitindo títulos no mercado japonês e obtendo assim quase US$ 1 bilhão. É um sinal de credibilidade, num mercado reconhecidamente conservador.
A inflação é outro indicador positivo. A taxa quadrissemanal da Fipe continuou caindo e deve fechar o mês de maio na casa dos 2%. No início de abril, boa parte dos analistas previa taxas de no mínimo 3%.
Surgiram também na última semana sinais de que os instrumentos de contenção do crescimento, dos juros altos ao arrocho de crédito, estão surtindo efeito. As vendas a prazo em São Paulo nos primeiros 25 dias de maio caíram 0,14% em comparação com igual período de abril. As concordatas, as férias coletivas, a redução de encomendas à indústria e a inadimplência completam um quadro de retração que, embora seja bastante lamentável, confirma também o sucesso de uma política do Planalto.
O governo FHC, vítima durante os seus primeiros quatro meses de uma indefinição política e de uma crise econômica externa, está virando a mesa. O quinto mês chega ao fim com um saldo positivo, na política e na economia.
A consolidação do projeto de reformas constitucionais, a recuperação gradual e contínua da credibilidade externa, a eficácia da política de desaquecimento econômico e a estabilização da inflação são fatores que reforçam a capacidade de iniciativa do governo federal.
Resta saber se o presidente agarrará a oportunidade, conferindo ao processo um sentido inequívoco.
A aposta na desindexação total, anunciada por FHC na sexta-feira, torna-se hoje crível justamente em função desses resultados positivos.
Há sem dúvida desequilíbrios, aliás gravíssimos, que é urgente corrigir. As taxas de juros ``escorchantes", o câmbio que na melhor das hipóteses carrega um atraso de 10% frente à evolução dos custos industriais e a tibieza do ajuste fiscal são armadilhas de alto risco.
Numa economia sem correção monetária, entretanto, será menos difícil corrigir o câmbio sem incendiar toda a cadeia de preços e salários. E a correção não inflacionária do câmbio permitirá a redução dos juros reais, hoje elevadíssimos entre outros motivos pela necessidade de atrair capitais que financiem o déficit no comércio exterior.
Juros menores, por sua vez, viriam ainda em tempo de evitar o aprofundamento do processo recessivo. Cairiam as despesas financeiras do governo, seria salvaguardada a arrecadação de tributos, equacionando-se então com mais racionalidade as contas públicas.
Miragem? Quimera? Não, se as atuais condições políticas e econômicas ensejarem uma aposta firme na desindexação total da economia. Esse é o rio que se precisa atravessar, enquanto a ponte mostra um mínimo de firmeza. Afinal, FHC elegeu-se sobretudo em nome do combate sem trégua à inflação.

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