São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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corpo estranho em Hollywood

DO "EL PAÍS"

tradução Ana Ban
Daryl Hannah é um corpo estranho. No cinema, já foi sereia, andróide, gigante. Na vida real, a loira incrivelmente alta é dona de uma timidez doentia, sofre de insônia crônica e recolhe cachorros abandonados na rua. Despreza os negócios de Hollywood e planeja morar numa granja "com muitos animais e bebês". No momento, filma "Two Much" com o diretor espanhol Fernando Trueba (Oscar por "Sedução em 94). Eterno centro das atenções, Daryl, 35, ainda persegue seu sonho de infância: ser invisível

Como você conheceu o cineasta espanhol Fernando Trueba?
Vi "Sedução e fiquei encantada. O filme me fez viajar para outro mundo. Meses depois, nos encontramos em Los Angeles e começamos a conversar sobre filmes dos anos 30 e 40, que adoramos. Aí ele me contou a história de "Two Much", parecida com as desses filmes. Tudo me pareceu encantador. Trueba tem um senso de humor inteligente.
Há diferença entre os diretores europeus e os norte-americanos?
O europeu é mais amável, mais civilizado. Existe uma camaradagem que, infelizmente, eu não encontro com frequência nos Estados Unidos. Trueba se cerca de gente séria e talentosa. O carinho que sente por seus filmes aparece nas pessoas que contrata: todos são artistas.
Haskell Wexler, seu tio, é um dos melhores diretores de fotografia dos EUA. Ganhou até um Oscar, por "Quem Tem Medo de Virginia Wolf?". Ele a influenciou de alguma maneira?
Não. Eu o admiro, mas comecei a me interessar por cinema aos 11 anos, antes de conhecê-lo. Minha fascinação surgiu a partir do meu problema de insônia. Em vez de dormir, assistia TV. Via todos aqueles filmes antigos que passavam à noite.
A insônia continua?
Sim. Na noite passada, só dormi duas horas. Eu penso muito, não consigo me desconectar.
Você está fazendo faculdade de cinema em Nova York e já dirigiu um curta-metragem. Confere?
Sim. Chama-se "A Última Ceia". Escrevi o roteiro, dirigi e produzi. Foi genial.
Teve boas críticas?
Sim, ganhei prêmios em Berlim, no Arizona...E saiu um artigo positivo no "The New York Times".
Para Daryl, todos os filmes deveriam ser mágicos como "Blade Runner"
Quando era criança, de quais filmes você gostava mais?
Velhas fitas em branco e preto. Minha percepção de Hollywood se limitava àquela época. Fiquei decepcionada quando comecei a trabalhar: descobri que já não podia ir aos mesmos estúdios utilizados por Judy Garland e Mickey Rooney. Então, surgiu "Blade Runner - O Caçador de Andróides". Foi genial. Aquilo sim era como eu imaginava, mágico.
"Blade Runner é cult no mundo inteiro. Na época, você percebeu que estava fazendo algo especial?
Não, achava que todos os filmes deviam ser assim. Era minha fantasia de como se deve fazer um filme, pelo menos em termos criativos.
Logo em seguida, você fez "Splash - Uma Sereia em Minha Vida". A fantasia continuou?
Não tenho lembranças fantásticas desse filme.
Como foi trabalhar com Woody Allen em "Maridos e Esposas"?
Durou apenas dois dias. Minha agente não queria que eu fizesse o papel, porque era muito pequeno. "Não me importa, respondi, "só quero trabalhar com Allen". Foi sensacional. Espero poder ser dirigida por ele de novo.
Como é sua relação com os diretores?
Antes, eu imaginava o diretor como uma figura paterna, alguém que pudesse cuidar de mim. Mas, às vezes, ele pode ser um obstáculo. Em filmes comerciais, o mais comum é que os diretores sejam mais negociantes que criadores.
Muita gente diz que Hollywood está em crise. Você concorda?
Sim, mas é porque tudo lá gira em torno dos negócios. Todas decisões criativas são tomadas do ponto de vista dos negócios. Seria fabuloso se as pessoas criativas pudessem tomar essas decisões.
É verdade que, quando você estava na escola, queria ser invisível?
Sim, a maior parte do tempo. Eu tinha uma timidez doentia...
Para uma tímida, não é contraditório querer ser atriz?
Não. Trabalhar em filmes é muito particular, íntimo. Você se sente corajoso porque existe um disfarce, não é realmente você. Quando trabalho, me sinto livre. No resto do tempo sou tímida, tenho medo.
Medo? Por quê?
Deve ser um trauma de infância (risos). Fui uma menina muito introvertida, sempre. Me incomoda muito ser o centro das atenções. "Por que estão me olhando? Há algo errado?". Eu vivo dentro da minha imaginação. E ela é ilimitada. É como um refúgio.
Ouvi dizer que você utiliza essa imaginação para criar jogos.
Sim, crio jogos para adultos. A maioria é adaptada de jogos antigos. Eu os vendi a uma empresa. São jogos criativos e interativos. Devem começar a ser vendidos nos Estados Unidos em julho.
Você gosta da idéia de morar em Los Angeles?
Não. Cresci em uma cidade grande, Chicago, mas sempre quis viver em um lugar mais rural. Adoro estar ao ar livre, em contato com a natureza.
Só que no campo não há cinema.
Posso criá-lo sozinha. Quero ter muitos filhos e morar em uma granja com muitos animais e bebês, parentes e amigos.
Parece que você está tentando recuperar a infância.
Não sei. Nos últimos 15 anos, desde que fui morar na Califórnia, vivi uma etapa mais passiva. Esperava que alguém, uma figura paterna, me acolhesse e me ajudasse. Agora cheguei ao ponto em que só quero fazer coisas que me emocionem. Quero estar no comando, afirmar minha personalidade. Não dá para achar que outras pessoas vão transformar seus sonhos em realidade. Você tem que conseguir sozinho.
Sua casa é do tipo “zoológico”?
Tenho quatro cachorros, todos abandonados. Só nesta filmagem, encontrei dois. Também tenho três gatos e um papagaio. Com eles, não me sinto sozinha.
Você foi muito assediada pelos jornalistas por causa do seu caso com John John Kennedy. O que acha da imprensa sensacionalista ?
Para essa gente, a vida é uma caçada e as pessoas são só presas. Outro dia, o jornal “USA Today” disse que eu tinha me atirado em um canal para salvar uma vaca-marinha (animal mamífero, semelhante ao peixe-boi) e tinha atrasado as filmagens. e a história não era essa. O que posso fazer ?
Tento não ligar e continuar minha vida.Um dia, eles vão se cansar e falar de outra pessoa. Esta semana, visitei uma colônia “amish” no condado de Lancaster. Lá, ninguém assiste TV. Eu gostei.
Como foi, na realidade, a história da vaca-marinha ?
Eu estava passeando na hora do almoço e vi uma vaca-marinha em um canal. Fiquei brincando com ela por mais ou menos uma hora. Ela gostou, não tentou fugir. Eu a beijava, ela nadava em direção aos meus braços. Foi um momento mágico.

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