São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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salvem nossas almas

CAIO TÚLIO COSTA

Depois do modismo da reengenharia, vem aí mais uma modalidade salvadora, a re-reengenharia
Proliferam no Primeiro Mundo -e prometem chegar logo ao Brasil- as firmas especializadas em um negócio lucrativo: salvar empresas vitimadas pela reengenharia, pelos programas de qualidade.
É aquela história. Os profetas da qualidade total desembarcam nas empresas com pastas, transparências, retroprojetores e mecanismos de auditoria e controle. De imediato, "descobrem que a empresa, seja qual for, pode melhorar muito com um treinamento especial dos funcionários, além de alguns pequenos ajustes na estrutura.
Os técnicos, acondicionados em paletós de quatro botões, gravatas presas por prendedores e sapatos de verniz, trazem na ponta da língua a palavra mágica: produtividade.
Todos -sócios, diretores e funcionários- se empolgam e caem de cabeça no programa.
Derrubam-se paredes, limpa-se o ambiente, trocam-se mesas de lugar e... enxuga-se o pessoal. Em decorrência, obtém-se o cobiçado certificado ISO -diploma de excelência que, por sinal, está virando carne de vaca no Brasil.
Exemplo genérico: se uma empresa tem 10 mil funcionários, o programa de qualidade vai levar ao corte aí, digamos, de uns 4 mil funcionários. Os 6 mil restantes passam a produzir muito mais que os 10 mil anteriores e a produtividade, óbvio, vai lá pra cima. Todos dão muito mais gás porque o medo de perder o emprego sempre fala forte. As tabelas, reproduzidas até no chão da fábrica, acompanham, número por número, esta revolução.
Conseguido o recorde, os funcionários estão exaustos. Meses depois, o pico mantido às custas do estresse coletivo, a produtividade estanca e, em alguns casos, cai um pouquinho.
Aí o diretor já se separou da mulher, os gerentes brigaram com os filhos e, no chão da fábrica, a famosa auto-estima (palavra cara à reengenharia assim como ferramenta) está abaixo do nível do chão, porque vem carregada de cansaço e de decepção até com o tamanho do salário, sempre pequeno.
Neste momento, chave, entra o especialista em salvar as vítimas da qualidade. É diferente dos paladinos anteriores: paletó de três botões, camisa branca, gravata sem prendedor e sapatos de camurça. Realiza outra auditoria, mostra novos gráficos, conta "cases de empresas que mergulharam errado na reengenharia no Japão, na Espanha, na Tailândia...
No final, poucos meses e muitos dólares depois, prescreve-se o remédio: é necessário contratar 2 mil funcionários. A tal empresa tinha 10 mil empregados, mandou 4 mil embora, agora fica com 8 mil. A produtividade volta a subir, a auto-estima retorna e, ótimo, ainda se economizaram duas mil vagas.
É isto, depois do modismo da reengenharia (modismo porque empresa séria vive em busca de qualidade, métodos racionais de trabalho e de conforto para seus funcionários), vem aí mais uma modalidade salvadora, a re-reengenharia.
Se algum re-reengenheiro esperto quiser de graça um bom nome para a firma, em inglês, como convém, tenho uma proposta: S.O.Q. (pronuncie éss-ou-quíu), de "save our quality, salvem nossa qualidade, paródia do famoso S.O.S., que significa "save our souls, salvem nossas almas.

Ilustração: "Enfim, a saída (1935), de Paul Klee.

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