São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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O capital externo no mercado imobiliário

WALTER LAFEMINA

O Brasil caminha para inserir-se, definitivamente, no contexto da internacionalização. E o faz com vantagens adicionais, com um plano de estabilização econômica em andamento, abertura do mercado interno, importação de mercadorias e serviços e outras medidas inerentes ao processo de globalização.
Entretanto, existe no país a imperiosa necessidade de contarmos com a participação direta de recursos externos. Mas não aquele capital que no México, por exemplo, acabou provocando o famigerado ``efeito tequila"; um dinheiro nervoso, ou ``dinheiro motel", que passa uma noite e vai embora no dia seguinte. Esse tipo de recurso apresenta até mesmo algumas vantagens. Só que não se coaduna com aquilo que os países emergentes, como o Brasil, precisam, ou seja, parceiros efetivos no seu desenvolvimento.
No caso brasileiro, ninguém questiona que o investimento estrangeiro não pode ser de curtíssimo prazo. Tem de criar raízes, fruto das vantagens que a permanência no país proporciona, e não devido a limitações à sua entrada e saída (isso só inibe e afugenta).
Nesse aspecto, o setor que mais oferece condições para que os recursos externos entrem e fiquem em território nacional é a indústria imobiliária. Os motivos são evidentes e consistentes. Entre eles:
1) O processo imobiliário é, naturalmente, de elevado ciclo operacional, tanto na produção como na comercialização; o capital externo que participe desse processo não pode sair dele antes da hora se quiser obter o retorno desejado -e esse retorno é irrecusável.
2) Há imenso campo para o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários das mais diversas naturezas, sejam residenciais, comerciais, shopping centers, hotéis, marinas -enfim, ainda há muito por fazer no país. Só no setor de turismo, temos uma formidável costa a ser explorada.
3) Existe o concreto interesse de investidores estrangeiros em adquirir imóveis no Brasil ou participar de empreendimentos na área.
4) Contamos, finalmente, com instrumentos adequados a essa participação, como é o caso dos Fundos de Investimento Imobiliário e das futuras companhias hipotecárias, em fase de implementação.
Apesar de todos esses motivos, estranhamente, ainda persistem óbices ao ingresso de capital externo no setor imobiliário. Interpretações do Banco Central à legislação pertinente à matéria criaram obstáculos ao registro do capital estrangeiro na aquisição de bens imóveis, residenciais ou não, às empresas que se dedicassem exclusivamente a compra, venda, intermediação e administração de imóveis, inclusive incorporadoras, mantendo nesse setor uma ``reserva de mercado" totalmente divorciada dos interesses nacionais.
Em 1991, aproveitando a lei 8.383, que assegurou aos investidores estrangeiros com aplicações em renda fixa ou nas Bolsas de Valores o mesmo tratamento aos investidores residentes no país, voltamos a pleitear liberdade para o recurso externo no setor imobiliário. A princípio, o pedido foi atendido. O Banco Central garante que não há qualquer tipo de óbice. Mas a prática do mercado mostra que a questão ainda carece de maior esclarecimento. Requerimentos direcionados para compra de imóveis caem nas teias da burocracia e da morosidade. Aí, o interessado não tem dúvidas: em face das dificuldades, vai para a Argentina, Chile e outros países latino-americanos.
Ora, o Brasil precisa mostrar claramente que tem interesse nesse capital. Adequar suas leis à internacionalização -e temos um Mercosul-, facilitar o ingresso e, principalmente, incentivar os investimentos em setores marcados pelo longo prazo.
Diante disso, a indústria imobiliária apresentou nova proposta ao governo. Na área de ``leasing" de bens duráveis -automóveis, por exemplo-, é permitida a correção dos contratos em moeda estrangeira, como o dólar. No setor imobiliário, entretanto, isso é proibido. Por que não eliminar tal discriminação e autorizar que os contratos da área sejam referenciados em dólar ou na moeda do país de origem do investimento externo?
A eliminação desse óbice permitirá que o setor seja também financiado pelo capital externo, e em moeda estrangeira. Esses recursos seriam repassados aos tomadores finais em obrigações na mesma moeda -saliente-se que os contratos são referenciados pela correção cambial, mas as parcelas pagas em moeda nacional. Com isso, o custo da contratação de empréstimos no exterior é bastante reduzido, na medida em que operações onerosas, como ``hedge" (necessária para proteger os tomadores de descompassos entre ativo e passivo), são suprimidas.
O governo vem se mostrando receptivo à proposta. Sabe que a indústria imobiliária, além de não gerar inflação e ser independente de importações, que pressionam a balança, oferece enorme contrapartida, como empregos em ampla escala, impostos, moradias etc. Além disso, sabe que somente com medidas modernizantes poderá viabilizar os instrumentos alternativos para fomentar o financiamento imobiliário, como as novas companhias hipotecárias, que surgem para complementar o Sistema Financeiro da Habitação.
Temos expectativa otimista em relação à resposta do governo a mais esta sugestão. A indústria imobiliária tem uma função social a cumprir. Os recursos externos nesta área são imprescindíveis e vêm para ficar. Eliminar óbices a essa participação é garantir a dinâmica de um segmento vital para o desenvolvimento do país e sua estabilidade.

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